segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Artista: Holger Czukay; Álbum: Movies


Artista: Holger Czukay
Álbum: Movies
Ano: 1979
Gênero: Art rock, avant-garde


Após três resenhas de álbuns bastantes recentes, vamos voltar ao ano de 1979 para falar de Movies, primeiro álbum solo do multi-instrumentista alemão Holger Czukay. Mas antes, é importante falar da banda da qual antes ele fazia parte: Can.

Entre os fãs de música experimental e krautrock, o Can é considerado um grande expoente. A banda nasceu no final dos anos 60 em Köln, Alemanha Oriental. O maestro e pianista Irmin Schmidt havia viajado para os Estados Unidos e, durante sua estadia, desenvolveu um novo relacionamento com a música e com a arte em geral. Passou bastante tempo em companhia de músicos avant-garde, conheceu o trabalho de Andy Warhol e se encantou com o Velvet Underground. Tudo isso, segundo ele próprio, foi crucial para sua formação musical, que até então fora um tanto restrita à música erudita.

Em 1968, Schmidt retornou para Köln e resolveu montar uma banda para explorar sua revigorada educação musical. Entrou em contato com o flautista norte-americano David C. Johnson e com o então professor de música Holger Czukay. Logo, o grupo seria acompanhado pelo jovem guitarrista Michael Karoli e pelo baterista Jaki Liebezeit. Johnson, que era da escola de música erudita de vanguarda, sentiu-se insatisfeito com o som mais roqueiro da banda e deixou o grupo, e assim foi formada a base do Can.

Uma vez definido o line-up, eles entraram em contato com o vocalista e escultor norte-americano Malcolm Mooney, que se juntou à banda e participou do debut Monster Movie, de 1969 (nota: o Can chegou a gravar um disco antes deste, chamado Prepared to Meet Thy Pnoom, mas não conseguiu acordo com nenhuma gravadora para lançá-lo na época). O álbum é uma viagem e traz diversas características que seriam comuns aos registros posteriores e ao gênero que seria batizado de krautrock ("rock chucrute") pela imprensa britânica: experimentalismo, improvisações, muitos efeitos de estúdio e texturas.

No ano seguinte, Mooney deixou a banda (diz a lenda que teve um colapso nervoso), sendo substituído pelo músico japonês Kenji Suzuki, mais conhecido como Damo Suzuki. Esta "troca" representou uma grande mudança no estilo do Can, visto que ambos os vocalistas apresentam características bastantes distintas: Mooney é expansivo e atrai bastante a atenção para si, enquanto Suzuki é contido e acaba se mesclando à banda.

O primeiro álbum com o novo vocalista é o pioneiro e único Tago Mago, de 1971, que consta na lista de "mais influentes" de muitas bandas e artistas. A gravação deste disco foi, em alguns momentos, completamente não convencional. Pra começar, foi gravado em um castelo em que a banda morou por um ano (de favor, diga-se de passagem). Quando eles faziam alguma jam para passar o tempo, Holger Czukay os gravava sem que eles soubessem e, posteriormente, editava tudo e transformava fragmentos em uma música estruturada. Czukay também fazia colagens com pedaços de fitas e usava técnicas de estúdio incomuns, muitas vezes testando os limites do ouvinte casual e navegando por águas do avant-garde.

Com o passar dos anos, o som do Can foi se transformando, e a cada lançamento eles incorporaram diferentes influências: ambient, funk, música eletrônica, world music e por aí vai. Em certo ponto, Czukay deixou o baixo de lado e passou a se dedicar exclusivamente às suas experiências com efeitos sonoros. Pouco tempo depois, em 1978, ele deixaria o Can.

Como não fazia mais parte de uma banda, Czukay se viu com total liberdade para criar um álbum exatamente do jeito que gostaria (é a vantagem e desvantagem de ser um artista solo: sem amarras, mas sem a mágica da coletividade). Porém, curiosamente, ele recorreu justamente a seu ex-parceiros de Can para ajudá-lo na parte instrumental, de maneira que todos eles aparecem no álbum em algum momento.

Vamos, finalmente, ao referido álbum, nomeado Movies.

A primeira faixa é, também, uma de minhas favoritas: Cool In The Pool. Eu queria imaginar alguém realmente sisudo e sem senso de humor escutando esta pérola, que começa com uma guitarra limpa tocando um ritmo de funk e logo se transforma em uma música engraçadíssima e bizarra, que causa uma enormidade de sensações no ouvinte. Ao mesmo tempo em que a interpretação vocal é hilária (como no refrão "then let's get cool in the pool" com uma voz afetada e sotaque alemão fortíssimo no último L das duas palavras), as guitarras são muitíssimo bem arranjadas e as inúmeras colagens feitas por Czukay dão uma beleza ímpar à música. É importante frisar o quanto esse processo era diferente e analógico naquela época, e me pergunto como ele fazia para conseguir os samples tão peculiares que conseguia. Tem de tudo: uma mulher cantando ópera, música árabe, solos de trombone e outros instrumentos, efeitos sonoros diversos, colagens de diálogos de filmes etc. Faixa divertidíssima.



Oh Lord Give Us More Money tem um viés mais space rock, com efeitos mais futuristas e som mais esparso. A música de mais de 13 minutos é uma viagem experimental, frequentemente preenchida por guitarras limpas harmonizando, sintetizadores, quase como se fosse um ambient não tão ambient assim. De certa maneira, lembra um Alan Parsons Project um pouco mais extravagante e esquizofrênico.

Persian Love é muito peculiar. Meio reggae, repleta de duetos e solos de guitarra, samples de música árabe e com um clima meio fase-da-água de diversos jogos de videogame dos anos 90, é belíssima e novamente mostra a criatividade de Czukay e seu empenho em surpreender e encantar o ouvinte ao mesmo tempo.

Por fim, a viajadíssima Hollywood Symphony é um épico de mais de 15 minutos que passa por diversos ritmos e intensidades. Podemos até identificar alguns momentos distintos: na primeira metade, ela tem um andamento moderado, com a bateria em looping e os demais instrumentos agindo bem livremente, novamente com samples de filmes e alguns vocais divertidos de Czukay (o inesperado "I feel so beautiful now!" é hilário). Após os 7 minutos, um curto interlúdio sinistro dá lugar a uma pegada bem mais progressiva, com uma bateria frenética mantendo o compasso de 5/4. Eis que, inesperadamente, um acorde belíssimo de teclado anuncia a parte final da música, repleta de acordes longos de teclado e rápidos solos de guitarra. Bastante experimental e ousada.

E assim termina Movies, um álbum repleto de momentos distintos apesar de conter apenas quatro faixas. Não é uma audição fácil (especialmente Oh Lord Give Us More Money e Hollywood Symphony), mas é bastante recompensador se deixar levar pela mente e pelas experimentações de Czukay. É interessante perceber as necessidades dele como compositor: para se expressar, ele precisa recorrer a diversos elementos não-convencionais, muitas vezes alheios à música em si.

É o tipo de álbum que desafia o ouvinte a revisar seus conceitos. Vale a pena escutar.

Tracklist:
1. Cool In The Pool
2. Oh Lord Give Us More Money
3. Persian Love
4. Hollywood Symphony

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