quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Banda: Faith No More; Álbum: Sol Invictus


Banda: Faith No More
Álbum: Sol Invictus
Ano: 2015
Gênero: Rock; alternativo

Desde que este blog começou, no longínquo ano de 2006 (!), já resenhei pelo menos nove álbuns em que Mike Patton teve algum grau de envolvimento. Curiosamente, nunca resenhei nada da banda que realmente o trouxe aos holofotes (o inverso talvez seja verdadeiro): o Faith No More. A banda fez um sucesso considerável no final dos anos 80 e durante os anos 90, principalmente com os singles dos álbuns The Real Thing, de 1989, e Angel Dust, de 1992.

Talvez seja precipitado afirmar que Mike Patton foi o responsável pelo sucesso comercial do Faith No More, mas o fato é que, antes dele, a banda não havia estourado. Desde que foi fundado em 1981 por Billy Gould (baixo), Roddy Bottum (teclado) e Mike Bordin (bateria), o FNM não teve muita sorte com vocalistas -  até Courtney Love (aquela mesmo) chegou a assumir o microfone, vindo inclusive a ter um relacionamento com Roddy Bottum, que assumiria sua homossexualidade nos anos 90. Finalmente, estabeleceram-se com Chuck Mosley e com o guitarrista Jim Martin.

Abro aqui um parêntese para explicar a origem do nome "Faith No More". Antes de fundarem a banda, Gould e Bordin faziam parte de um conjunto chamado Sharp Young Men. O vocalista Mike Morris tinha o apelido de "The Man", e quando surgiu a conversa de mudar o nome da banda ele sugeriu "Faith In No Man". A sugestão de Bordin, porém, viria a vencer: tiraram o "in" e a banda virou "Faith No Man". Quando a banda acabou, os antigos membros concluíram que o nome não fazia mais sentido, pois "The Man" (Mike Morris) não estava mais com a banda (No More). Assim, nasceu o nome "Faith No More". Falemos um pouco da trajetória da banda.

O debut We Care a Lot foi lançado em 1985, e não chamou muito a atenção da grande mídia. A faixa título viria a ser reaproveitada no segundo álbum, Introduce Yourself, de 1987, e fez um sucesso modesto na MTV, mas ainda assim a banda não decolou. Para piorar, Mosley seria demitido no ano seguinte devido aos seus problemas com drogas.

Enquanto tudo isso acontecia, o jovem vocalista Mike Patton estava gravando demo atrás de demo com o Mr. Bungle, sua banda dos tempos de colégio. Uma fita foi parar nas mãos do guitarrista Jim Martin, e o resto é história. Em duas semanas de banda, Patton escreveu todas as letras para o que viria a ser o passaporte da banda para a história do rock.


Quase que da noite para o dia, o Faith No More virou uma banda grande e influente. A maneira como eles misturavam gêneros em suas músicas era bem incomum para bandas do mainstream: do rap ao metal, passando pelo funk, new wave e mais um monte de coisa. Os clipes passavam o tempo todo na MTV: Epic, Falling to Pieces, From Out Of Nowhere. Saiu CD e VHS ao vivo em Brixton, na Inglaterra, vieram para o Rock In Rio II, em 1991.

Toda a fama conquistada com The Real Thing criou muita expectativa para o trabalho seguinte, e quando Angel Dust finalmente saiu, em 1992, foi considerado uma obra-prima. A banda estava mais coesa, madura e ainda mais eclética, rompendo com a veia comercial do debut. A diversidade de temas abordados em instrumentais impecáveis e criativos foi recebido calorosamente por fãs e crítica: momentos suaves como o belíssimo cover de Easy (originalmente dos Commodores) e a curiosa RV estão misturados a pauladas como Caffeine e Smaller and Smaller; os teclados de Bottum destacam-se nos momentos certos (como Everything's Ruined e Crack Hitler), Martin mostra toda sua influência do metal em canções como Jizzlobber e Malpractice e Gould, Bordin e Patton são absolutamente versáteis. Infelizmente, seria o último trabalho da banda com o guitarrista Jim Martin, que estava descontente com o rumo musical da banda - diz a lenda que ele foi demitido por fax, mas ele diz que saiu. Vai saber.

Em 1995, o guitarrista Trey Spruance, parceiro de Patton no Mr. Bungle, junta-se ao FNM para gravar King for a Day... Fool for a Lifetime. Ainda mais eclético que seu antecessor, é o álbum do Faith No More com menor presença de teclados: Bottum perdeu o pai na época da gravação, e também ficou bastante abalado com a morte do amigo Kurt Cobain. Estando ausente do estúdio, a banda tomou as rédeas e o resultado foi mais cru e dominado pelos demais instrumentos. Apesar de ser, na minha opinião, o melhor álbum da banda, pode-se dizer que foi o início do declínio: Spruance saiu logo após as gravações, sendo substituído por Dean Menta, que também seria substituído após um ano e meio por Jon Hudson. Além disso, o ecleticismo não foi muito bem aceito pela mídia, e os singles Digging the Grave, Evidence e Ricochet não fizeram tanto sucesso quanto seus antecessores.

A banda voltaria ao estúdio em 1997 para gravar Album of the Year, um álbum muito bom e sólido, mas que não conseguiu resgatar a popularidade perdida com os anos. Além disso, boa parte dos membros estavam trabalhando em projetos paralelos e o clima entre eles não era dos melhores. Todos esses fatores levaram ao fim da banda em 1998.

Com o fim, os membros do FNM puderam se dedicar integralmente a seus projetos. Mike Patton, workaholic por natureza, concluiu as gravações de California, do Mr. Bungle, e idealizou/participou de mais uma série de projetos, como Fantômas, Lovage, Tomahawk e Peeping Tom. Roddy Bottum dedicou-se a uma banda curiosa chamada Imperial Teen (que tocava indie pop abordando temas da cultura gay da época), Billy Gould fundou sua gravadora independente (Koolarrow Records) e fez participações especiais em álbuns de bandas como o Fear Factory e Coma. O discreto Jon Hudson dedicou-se à área de negócios imobiliários, enquanto Mike Bordin participou da banda de Ozzy Osbourne, fez uma turnê com o Korn e participou de álbuns de outros artistas. Aliás, Bordin chegou a participar de uma edição do programa Who Wants to be a Millionaire, o "Show do Milhão" dos EUA. Ele não teve muita sorte e saiu com apenas U$ 1000.

Não parecia, pela maior parte dos anos 2000, que algum dia o Faith No More voltaria à ativa. Entretanto, no final de 2008 começaram a surgir rumores aqui e ali, e no ano seguinte veio o anúncio oficial: a banda estava de volta para uma turnê de reunião com a mesma formação do Album of the Year - ou seja, Patton, Hudson, Gould, Bottum e Bordin. Para a alegria dos fãs, a reunião deu tão certo que se estende até os dias de hoje, e temos em mãos o primeiro álbum do Faith No More em 18 anos: Sol Invictus. Finalmente, falemos dele.

O nome do álbum, Sol Invictus, é uma referência ao deus romano do Sol, venerado no final do período do império. Musicalmente, é possível notar uma série de elementos já apresentados pela banda nos álbuns anteriores. É um trabalho extremamente eclético, que precisa de tempo para ser devidamente digerido.

A faixa de abertura é a faixa-título, Sol Invictus. Surpreendentemente sombria, quebra uma tradição de aberturas explosivas (From Out of Nowhere, Land of Sunshine, Get Out e Collision são verdadeiros petardos). O piano calmo, a voz extremamente grave de Patton e a bateria levando na caixa parecem uma marcha fúnebre, e o refrão melódico e onírico parece um raio de sol (trocadilho proposital) dentro de uma sala escura. A faixa é interessantíssima, e mais curiosa ainda é sua escolha para abertura. Não obstante, uma bela música.

E aí parece que abrimos um portal para 1992 e ouvimos uma faixa que acabou se perdendo de Angel Dust. Provavelmente, Superhero é a faixa mais tipicamente Faith No More de todo o álbum. Os teclados logo na introdução, a levada da bateria, os "go!" intercalados e os riffs de guitarra - tudo soa muito familiar, e digo isso de uma maneira positiva. Ótima faixa.


A terceira faixa, Sunny Side Up, é um dos motivos que me levam a gostar tanto do Faith No More: a bizarrice acessível. Ao mesmo tempo em que a música não traz firulas em excesso, ela está longe de ser convencional, com um compasso fugindo do tradicional 4/4 e um refrão no mínimo esquisito, com a frase "sunny side up" (ovo frito, basicamente) cantada em uníssono por Patton e pela guitarra. É uma música bem Faith No More mesmo sem ser parecida com nada já gravado pela banda.


Separation Anxiety é, como o nome descreve, uma música aflita, que parece nervosa desde a primeira nota. Hudson e Gould repetem o mesmo riff incessantemente, com a bateria minimalista e Patton intercalando sussurros e melodias mais agudas. Mais pro meio da música, tudo fica puro rock and roll, com Bordin descendo o braço e Hudson fazendo um belo solo. Uma das mais roqueiras de Sol Invictus.

Ao ouvir Cone of Shame, lembro imediatamente de outra banda de Mike Patton, o Tomahawk. Extremamente dark, a primeira metade da música é conduzida basicamente pela guitarra e pela voz de Patton. Porém, a bateria, tímida e ausente durante a primeira metade da música, dá as caras enfaticamente na segunda parte, quando a banda toda explode e percebemos que, de fato, é o Faith No More. Não é a minha favorita, mas uma boa música ainda assim.

Rise of the Fall tem um clima quase noir. Passada a introdução mais pesada, temos uma música cheia de momentos diferentes. Em alguns momentos, chega até a lembrar o Mr. Bungle, transitando livremente por gêneros que, estando isolados, parecem não se encaixar, mas aqui fazem pleno sentido. Ótima faixa.

A faixa seguinte é a curiosa Black Friday, com uma batida que lembra um pouco o surf rock dos anos 60. Roddy Bottum toca violão nesta música, que vem sendo, inclusive, parte do setlist da banda. Não é um destaque, apesar de divertida.

O primeiro single de Sol Invictus foi Motherfucker, a faixa lenta e estranha que tem cara de abertura, mas é a oitava música do álbum. Ameaçando explodir a qualquer momento, ela chega perto nos refrões, com Patton quebrando os sussurros com seu melódico "hello, motherfucker!", e no final, quando os instrumentos sobem e a canção ganha intensidade, mas a bateria monótona não deixa o ouvinte bater cabeça. Faixa peculiar, mas mais no bom sentido.

Matador é uma música interessante. Começa lenta e um tanto mórbida, com a melodia repetitiva e angustiante do piano de Bottum, mas aos poucos vai ganhando força conforme os instrumentos vão entrando. Quando Patton canta "we will rise from the killing floor", a música ganha um tom mais épico, e só cresce daí pra frente. Tem uma quê de Album of the Year, e é uma belíssima canção.

Fechando o álbum, temos From the Dead, uma faixa com sabor de energia positiva e esperança. Um violão bastante incomum em músicas do Faith No More e uma melodia alegre encerram este belíssimo álbum de um jeito que lembra um pouco a quase gospel Just a Man, do King for a Day.

E a conclusão? O ponto é que Sol Invictus é um álbum bem bacana - talvez até mais bacana do que os fãs mais sensatos poderiam esperar após 18 anos de hiato. Algumas das faixas nos levam direto àqueles álbuns dos anos 90, enquanto outras são mais atrevidas e guiam o ouvinte para novas direções. Essa combinação resultou em um trabalho que, embora não seja o mais brilhante da discografia, mostra uma banda com novo fôlego e bastante lenha para queimar.

Recomendadíssimo.

Tracklist
1. Sol Invictus
2. Superhero
3. Sunny Side Up
4. Separation Anxiety
5. Cone of Shame
6. Rise of the Fall
7. Black Friday
8. Motherfucker
9. Matador
10. From the Dead

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Banda: Big Star; Álbum: #1 Record

Banda: Big Star
Álbum: #1 Record
Ano: 1972
Gênero: Power Pop

O #1 Record é, tranquilamente, um dos discos da minha vida. É um álbum que eu descobri já adulto e que carreguei comigo em momentos muito marcantes, então é difícil eu me distanciar para falar dele de uma maneira mais "técnica", por assim dizer - mas até aí, que graça tem falar de música, algo tão entrelaçado à emoção, como se estivéssemos analisando os componentes de uma equação?

O Big Star tem uma história muito interessante, mas a semente é igual à de muitas outras bandas. Formado em 1971 por Alex Chilton (guitarra/vocal), Chris Bell (guitarra/vocal), Andy Hummel (baixo) e Jody Stephens (bateria), foi mais um encontro de garotos impressionados pela popularidade dos Beatles, particularmente após a famosa visita do Fab Four aos EUA em 1964.

Antes de criarem o Big Star, Alex Chilton e Chris Bell já se conheciam bem. Por serem ambos de Memphis, no Tennessee, não foram poucos os encontros em estúdios e shows locais - Chilton era integrante de uma banda de blue-eyed soul chamada The Box Tops, que já tinha conseguido colocar uma música chamada The Letter no topo das paradas, e Bell teve uma porção de bandas durante a década de 60, mas nunca teve grande sucesso.

Quando Chilton deixou os Box Tops, foi convidado para ser vocalista do Blood, Sweat & Tears, mas recusou por achar "muito mainstream". Em vez disso, aceitou o convite de Chris Bell para participar de um show do Icewater, banda da qual todos os fundadores do Big Star, exceto Chilton, faziam parte. A química foi instantânea, e assim nasceu o Big Star (o nome veio de uma loja de conveniências que ficava em frente ao Ardent, o estúdio em que a banda trabalhava).

O processo de composição funcionava, não por acaso, de uma maneira similar à dos Beatles, com a dupla Bell/Chilton tomando as rédeas da parte de composição e vocais principais. Embora não houvesse um "quinto Beatle" como George Martin, eles tiveram total apoio do dono do Ardent, John Fry, que insistiu que eles mesmos trabalhassem na produção e mixagem de seu próprio álbum. Eles foram, de certa maneira, seu próprio George Martin.

O nome #1 Record surgiu mais uma brincadeira do que como pretensão. Enquanto escolhiam o nome do álbum, foi dito que uma banda chamada Big Star certamente teria um disco no primeiro lugar das paradas. E inicialmente, tudo parecia encaminhado para isso: o registro agradou muito aos críticos e ao público, mas um problema na distribuição e divulgação por parte da gravadora Stax Records fez com que apenas 10 mil cópias foram vendidas. Assim, o nome #1 Record passou muito longe de ser uma profecia, mas se falarmos da qualidade das composições, podemos dizer que o nome é justo.

O disco abre com Feel, uma pedrada melódica muito feliz em mostrar várias facetas da banda em 3 minutos e meio: a voz rasgada e aguda de Chris Bell sobre o instrumental rock and roll bem trabalhado e texturizado do Big Star. O refrão, contudo, quebra a pancadaria e dá lugar a backing vocals melódicos e a um "I feel like I'm dying, I'm never gonna live again" ("eu me sinto como se estivesse morrendo, eu nunca vou viver de novo") triste e melancólico, para logo depois estourar em um solo de guitarra e uma linha de metais fantástica. Belíssima abertura.


Após o impacto, o ouvinte é surpreendido pela melodia açucarada de The Ballad of El Goodo, Cantada por Alex Chilton, é uma música sobre perseverança e superar obstáculos. Perfeito equilíbrio entre rock e folk, tem um arranjo doce e vocais precisos, além de um refrão chiclete no melhor sentido possível.

A doçura fica pra trás logo após as duas notas de guitarra de In The Street, cantada por Bell. Um empolgante rock and roll com algumas das melhores linhas de guitarra em todo o disco. A letra absolutamente despretensiosa fala de um cara que quer apenas dar uma volta pela rua, quebrar algumas luzes e ficar de papo pro ar. "I wish we had a joint so bad..." ("queria tanto que a gente tivesse um baseado..."), exclama Bell. Divertidíssima.

Talvez o auge e o momento mais conhecido de #1 Record seja a quarta faixa, Thirteen (treze - a idade de Chilton e Bell quando os Beatles visitaram os EUA, em 1964). Composta por Alex Chilton antes de entrar para o Big Star, é, na minha opinião, uma das melhores músicas de amor já escritas no rock and roll por diversos motivos. Falemos, primeiro, da letra, que aborda estar apaixonado aos treze anos - ou seja, fala sobre amor em sua forma mais ingênua e, por conta da adolescência, intensa.

No decorrer da canção, o narrador conversa, sempre em uma mistura de insegurança e ansiedade, com a garota amada. Algumas referências são bem interessantes. Em certo momento, ele pergunta:

Won't you tell your dad get off my back? (Você não vai falar pro seu pai sair do meu pé?)
Tell him what we said 'bout Paint It, Black (Conte para ele o que falamos sobre Paint It, Black)


Paint It, Black é uma música dos Rolling Stones sobre um rapaz cuja namorada morre, deixando-o extremamente depressivo e solitário. Penso em um casal de treze anos escutando essa música e se identificando com toda a intensidade e drama, e acreditando que, se os pais soubessem que eles se sentem como o narrador de Paint It, Black, entenderiam que o amor deles é verdadeiro.

Todas as nuances da letra de Thirteen são emolduradas por uma lindíssima melodia acústica, que mistura parece conseguir expressar toda a intensidade da letra - inclusive acelerando um pouco no final, quando o garoto pergunta, nervosamente, se ela aceitaria ser uma fora-da-lei por seu amor. Tudo isso em menos de 3 minutos. Fantástica faixa.


Don't Lie To Me traz o rock de volta em sua forma mais pura, com os vocais de Bell dando o tom a esta porrada raivosa. O solo de guitarra é um espetáculo à parte, com uma série de ruídos e efeitos ao fundo. Certas vezes, chega a ser um pouco caótica, e provavelmente é a faixa mais pesada do álbum.

The India Song é a única faixa escrita pelo baixista Andy Hummel. Com sua pegada hippie, tem um arranjo interessantíssimo, com uma melodia marcante tocada na flauta na introdução e após os versos. Na letra, o narrador idealiza viajar para a Índia, viver em uma casinha na floresta, conhecer uma garota que pense da mesma maneira que ele e viver isoladamente com ela. Bucólica e bela.

Na versão em vinil (que, permitam-me a ostentação, eu tenho), a música que abre o lado B é When My Baby's Beside Me, uma declaração de amor rock and roll com mais uma série de melodias fáceis de digerir e legais pra caramba ao mesmo tempo. A linha de baixo no refrão também é bem bacana.

My Life Is Right é a primeira balada cantada por Bell no álbum. A exemplo da faixa anterior, também tem uma letra romântica, mas a pegada da música é completamente diferente, com as estrofes melódicas e o refrão mais intenso. Uma bela faixa, mas não chega a se destacar dentre as demais.

Give Me Another Chance tem uma pegada bem Pet Sounds (se você não sabe o que isso significa, pare de ler este post AGORA e clique aqui), com Chilton pedindo uma chance à garota com quem ele pisou na bola da maneira mais melancólica e apelativa possível. Parece uma faixa minimalista até os backing vocals entrarem de surpresa e darem uma nova textura à canção. Ótimo momento.

Assim como The Ballad of El Goodo, Try Again fala sobre a superação de obstáculos. Bell canta com uma voz bem mais grave do que nas demais faixas, e as guitarras tocadas com o slide trazem um clima bem George Harrison à música. Bela melodia e harmonias, mostrando bem a influência do rock sessentista no som da banda.

Watch The Sunrise é bem folk rock, podendo o começo ter sido composto por Cat Stevens. A doce melodia cantada por Chilton é acompanhada por um animado violão, dando um clima, como sugere o nome, de um dia ensolarado - principalmente quando a gaita e os backing vocals aparecem para texturizar. Destaque também para o solo de violão: simples e pertinente.


A faixa que encerra o álbum é a curiosa ST100/6. Com apenas um minuto e 4 versos, foi colocada no final quase como uma piada, a exemplo do que os Beatles fizeram com Her Majesty em Abbey Road. O título é um número de catálogo imaginário, uma piada interna feita no estúdio sobre a demora para encerrarem o álbum. Chris Bell teria dito que "se a Stax não lançar logo o disco, nós mesmo o faremos com o número de catálogo ST100/6".

#1 Record foi o único álbum do Big Star com Chris Bell. Frustrado com as vendas baixas e com o destaque que a mídia dava a Alex Chilton, ele deixou a banda e levou consigo as fitas originais do álbum. Ele nunca se recuperou totalmente de sua depressão até sua morte em um acidente de carro no ano de 1978 aos 27 anos de idade. Sem Bell, o Big Star acabou terminando em 1974, mas lançou mais dois álbuns: Radio City, de 1974, e Third/Sister Lovers, lançado "postumamente" em 1978 com resquícios de estúdio de 1974. A banda ainda teria um revival em 1993, com Chilton e Stephens se reunindo com dois novos músicos e chegando até a lançar um álbum de inéditas em 2005, mas nenhum outro trabalho do Big Star, em minha opinião, carrega a mesma mágica e causa o mesmo impacto que #1 Record. Hoje, o único membro original da banda que ainda está vivo é Jody Stephens; Chilton faleceu em decorrência de um infarto fulminante e Hummels de câncer, ambos em 2010.

Gostaria de encerrar este post com a citação da música Alex Chilton, dos Replacements: "I never travel far without a little Big Star".

Recomendadíssimo.

Tracklist:
1. Feel
2. The Ballad of El Goodo
3. In the Street
4. Thirteen
5. Don't Lie to Me
6. The India Song
7. When My Baby's Beside Me
8. My Life Is Right
9. Give Me Another Chance
10. Try Again
11. Watch the Sunrise
12. ST100/6

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Artista: Vasco Rossi; Álbum: Bollicine

Artista: Vasco Rossi
Álbum: Bollicine
Ano: 1983
Gênero: Rock; Pop

Alguns artistas são tão famosos dentro de nosso país que fica difícil imaginar que são anônimos em outros. Chico Buarque certamente poderia caminhar tranquilamente na Noruega, Ivete Sangalo poderia fazer compras sem ser interrompida na Grécia e dificilmente uma das duplas de sertanejo universitário do momento sofreria assédio na Itália. O motivo do alcance restrito do sucesso de músicos brasileiros talvez se dê pela língua, ou talvez pelas características regionais não compreendidas por aqueles que não estejam inseridos no contexto. Mas, independentemente da razão, o alcance é, de fato, curto, raramente ultrapassando nossas fronteiras.

A consequência disso é a seguinte: para os não-brasileiros ou não-lusófonos, um disco de um artista brasileiro tem grande chance de soar estranho e ser considerado exótico. Essa é minha deixa para resenhar um álbum de um dos maiores expoentes da música italiana contemporânea e que, além de tudo, foi eleito o mais bello disco italiano do século XX pela revista Rolling Stone.

Antes de irmos ao álbum, falemos um pouco de seu autor. Vasco Rossi nasceu na cidade de Zocca, norte da Itália, em 1952. Filho de um caminhoneiro, foi nomeado em homenagem a um companheiro de cela que seu pai conheceu na prisão durante a Segunda Guerra Mundial. Sua mãe, apaixonada por música, incentivou-o desde cedo a ouvir e aprender, inscrevendo Vasco em uma escola de canto ainda criança. Foi o suficiente para fazê-lo apaixonar-se também, e aos 13 anos o garoto vencia um concurso de música local com uma canção composta por ele mesmo. Logo estaria formando suas próprias bandas.

Um período determinante para a vida de Vasco foi o ensino médio. Estudando em um colégio salesiano na cidade de Modena, o rapaz não se adaptava à rígida estrutura hierárquica e às rígidas regras impostas pelos padres. A situação resultou em um caráter cada vez mais rebelde e contestador, uma das características pelas quais Vasco é mais conhecido em seu país.

Após muito sacrifício, forma-se do ensino médio e muda-se para a cidade de Bologna. Com uma cena estudantil vibrante nos anos 70, Vasco começa a se envolver com o teatro e as artes, mas é repreendido por seu pai e acaba ingressando na universidade, cursando Economia. Apesar de um bom começo, não demorou para que o já citado envolvimento de Vasco com as artes e os demais estudantes o seduzissem. Largou a Economia e inscreveu-se em Pedagogia, mas também acabou abandonando o curso e, por fim, voltou para Modena. É importante, porém, frisar que os anos de faculdade de Vasco não foram desperdiçados. Foi nesse período que realmente entrou em contato com o rock inglês, que viria a ser muito importante em sua formação como artista.

Em 1975, Vasco funda, junto a seu amigo de infância Marco Gherardi, uma estação de rádio chamada Punto Radio. Além de ser um dos principais DJs e desenvolver sua persona de showman, Vasco entrou em contato com diversos nomes importantes da música local. Eis que, em um dos eventos da Punto Radio, Vasco se apresentou com uma guitarra pela primeira vez em anos, tocando covers e algumas músicas que ele mesmo havia escrito. Era o que faltava para reacender a chama artística dentro do rapaz.

Com a ajuda de alguns amigos do meio artístico, lança seu primeiro compacto em 1977 e, no ano seguinte, seu primeiro álbum (Ma cosa vuoi che sia una canzone - "Mas o que você quer que seja uma canção?"). Nenhum deles foi um grande sucesso, e a fama de Rossi teve de aguardar pacientemente até os anos 80, quando uma polêmica envolvendo uma aparição de alguns segundos em um programa dominical da RAI (canal de TV italiano) o trouxe em evidência.


A breve aparição do rebolante Vasco, que canta que "não importa se a vida será curta, a gente quer gozar", não causou uma boa impressão no jornalista Nantas Salvalaggio, que a execrou em seu artigo na revista semanal Oggi: "(a performance foi) idiota, ruim e drogada". Naturalmente, a juventude da época discordou e o interesse no roqueiro, que apenas viria a confirmar sua fama de bad boy, aumentou consideravelmente. Menos de um ano depois, Vasco já era dono do status de rockstar em seu país.

Em suma: Vasco Rossi é o típico rocker que seguiu a trindade sexo, drogas e rock & roll ao pé da letra durante os anos 80, chegando a ser preso, a sumir e a ter um retorno triunfante nos anos 90. Mas falemos logo de seu álbum mais importante.

Gravado em 1983, Bollicine ("Bolhas", em português) é um álbum que se aventura por diversos meandros do pop rock oitentista. Ao contrário de muitos álbuns resenhados neste blog, é possível datá-lo logo na primeira audição: a produção, o timbre dos instrumentos, os sintetizadores - tudo isso forma uma impressão digital de muito bom gosto, mas irrefutavelmente oitentista.

A primeira faixa carrega o nome do disco e é uma referência explícita à popularidade da Coca-Cola - a empresa, aliás, chegou a ameaçar abrir um processo legal contra Vasco devido às diversas (diversas mesmo) menções ao nome da marca, mas acabou recuando quando percebeu o enorme sucesso da canção e toda a publicidade gratuita que estava recebendo. É um pop rock divertido, com uma letra sarcástica incentivando o consumo da bebida "que te faz bem, que te faz digerir" mas que "me faz morrer com todas aquelas bolhas". Ótima abertura.


Una canzone per te (Uma canção para você) é uma balada quase inteira recitada, com belíssimos interlúdios entre as estrofes e um final belíssimo: quando temos a impressão que estamos diante de um spoken word, entra um coro belíssimo falando sobre como as canções são como flores e sonhos. Interessante o contraste entre a melodia doce e a voz rouca e áspera de Rossi.

Portatemi dio (Traga-me Deus) é puro rock and roll, com um arranjo que poderia estar tranquilamente no clássico Maior Abandonado, do Barão Vermelho. Levada cheia de groove, baixo no talo, licks de guitarra no lugar certo e letra contestadora: "coloquem Deus no banco dos réus e vão defendê-lo, bons cristãos (...) quero contá-lo sobre uma vida que vivi mas não entendi".

Talvez a grande faixa de Bollicine para o público italiano seja Vita Spericolata (Vida Imprudente). Tida como o "hino de uma geração", a bela canção fala do desejo do narrador por uma vida sem grandes expectativas ou planos, com cada pessoa simplesmente "perseguindo seus próprios problemas". Musicalmente, é uma balada belíssima, que começa com um arranjo modesto e aos poucos ganha instrumentos e um refrão marcante, que inclusive cita um lugar chamado Roxy Bar, em homenagem a seu compatriota Fred Buscaglione, falecido em um acidente de carro no auge da carreira, em 1960 (Fred fala do Roxy Bar em sua canção Che Notte!, já citada neste post).


Deviazioni (Desvios) é a mais oitentista de todas as faixas oitentistas de Bollicine. Dominada por sintetizadores, tem uma pegada quase Wanna Be Startin' Somethin', do Michael Jackson. A virada de bateria após cada estrofe chega a ser até engraçada quando escutada nos dias de hoje, mas combina tanto com o conjunto que é difícil imaginar outra coisa no lugar. A letra é um desafio de Rossi a um hipócrita: "Quantos desvios você tem? (...) Você acredita que basta ter um filho para ser um homem e não um coelho?", esbraveja. Canção muito bacana.

A suingadíssima balada Giocala (Jogue-a) é uma das minhas faixas favoritas. O excesso de metais, a levadinha canastra e a letra transgressora ("vai e foda-se o orgulho", literalmente) são uma combinação sensacional. Certamente é um dos melhores arranjos do álbum e transborda feeling.


Ultimo domicilio conosciuto tem um feel quase de jingle, com a frase "this is my radio, my radio star" repetida por um coro feminino durante toda a faixa e uma base instrumental agitada e muito bem elaborada.  Não é o melhor momento de Bollicine, mas é bacana mesmo assim.

Por fim, temos de longe a faixa mais punk e pesada do álbum: Mi piaci perchè (Gosto de você porque). Como o nome sugere, Vasco lista os motivos pelos quais gosta da ouvinte, entre eles "porque você é suja", "porque você usa saia", "porque você é bonita", "porque você é loira" e "porque você é bastarda". Encerra com chave de ouro este belo registro.

Talvez Bollicine não possa ser apreciado integralmente devido à barreira do idioma, mas mesmo assim vale a pena conferir este belíssimo registro da nata do rock italiano oitentista.

Recomendadíssimo.

Tracklist
1. Bollicine
2. Una canzone per te
3. Portatemi Dio
4. Vita spericolata
5. Deviazioni
6. Giocala
7. Ultimo domicilio conosciuto
8. Mi piaci perchè