segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Artista: Curtis Harding; Álbum: Soul Power



Artista: Curtis Harding
Álbum: Soul Power
Ano: 2014
Gênero: Soul; R&B; Rock

Há alguns meses, assisti A Um Passo do Estrelato (Twenty Feet From Stardom), vencedor do Oscar na categoria Melhor Documentário em 2014. É um filme interessantíssimo, que mostra o mundo da música visto pelas (e pelos) backing vocals de grandes bandas e artistas. Em certo momento, o documentário aborda um aspecto bastante comum entre esses músicos: a tentativa de sair da penumbra e caminhar diretamente até o foco de luz, seguir uma carreira solo e ser reconhecido por seu talento individual. De certa maneira, a história de Curtis Harding é semelhante.

Harding tem 35 anos e não é exatamente um garoto ou um novato. Já atuou como cantor de apoio e compositor para nomes como OutKast e Cee-Lo Green e, segundo ele mesmo, foi backing vocal a vida toda, pois desde que consegue se lembrar cantou na igreja. Entretanto, só agora, em 2014, ele juntou uma banda e gravou seu próprio material, com seu nome e rosto estampado na capa, e o resultado foi o ótimo Soul Power.

O disco abre com Next Time, uma das favoritas do próprio Harding, com uma leve pegada de folk rock e soul. A bateria reta e o violão são complementados por um suave teclado e pela voz de Curtis. É bacana observar como a música aos poucos vai se preenchendo: a guitarra que entra no refrão, os metais que entram logo depois, o órgão e assim por diante. O solo de teclado no final, logo depois do singelo see you later, bitch, entra com os dois pés no peito e faz o ouvinte pensar em Billy Preston.

Castaway é praticamente oposta à faixa anterior. Bem mais suave e melancólica, bebe direto do R&B, com Harding cantando de maneira quase fantasmagórica acompanhado de seu violão e de um teclado à lá Brian Jackson. No belo refrão, a música se intensifica com a entrada da bateria típica do blues, e a melodia triste ganha corpo de vez. Destaque para o curto, porém belo, solo de guitarra antes do segundo verso.

Parecemos entrar em uma máquina do tempo ao ouvir a terceira faixa, Keep On Shining. A música parece uma mistura de Earth, Wind and Fire com Otis Redding: a introdução na guitarra funkeada com a bateria acompanhando no chimbal e a explosão para o verso, com guitarra e metais dividindo a responsabilidade de criar o palco para a voz de Harding soar inspirada pelos grandes nomes do soul dos anos 60 e 70. O refrão simples ("just keep on shining, keep on shining, keep on shining bright"), com acompanhamento de backing vocals, é insistente em ficar na cabeça. O vídeo retrô também é um show à parte. Ótima faixa.



A deliciosa Freedom é bailante, com sua pitada de salsa e baixo marcante. A performance vocal de Harding é brilhante, alternando momentos graves com falsetes pertinentes. O interessante é que, apesar de todo o swing, é uma música bastante minimalista, com todos os instrumentos tocados suavemente e na medida.

A contenção de Freedom, porém, só dura por seus 2:42. A faixa seguinte, Surf, entra com uma nota distorcida de guitarra e uma bateria alta e pesada. Lembra bastante Lenny Kravitz, com um feeling bem rock and roll e guitarra no talo. A parte em que Harding vai descendo com sua vocalização e culmina em um solo de guitarra é sensacional, e aqui podemos fazer uma reflexão: as cinco faixas abordadas até aqui são completamente distintas entre si. Soul Power é um álbum bastante versátil, e Curtis Harding consegue transitar com tranquilidade e competência entre os gêneros.

I Don't Wanna Go Home é frenética, com a cozinha dominando a música e as guitarras mostrando bastante influência sessentista, principalmente de rock instrumental (Rumble, de Link Wray & His Ray Men, me vem à mente). Novamente Harding acerta no tom e nas referências quando, em um dos poucos momentos mais quietos, nos faz ouvir backing vocals à lá Motown respondendo à sua voz. Mais uma bela faixa.

Beautiful People é puro feeling, com uma bela progressão de acordes e a voz de Harding repleta de chorus e tremolo, como se estivesse nos anos 60 cantando através dos falantes de um Leslie (como a voz de John Lennon em Tomorrow Never Knows, ou do Arnaldo Baptista em Dia 36, ou de Ozzy Osbourne em Planet Caravan, e por aí vai). O arranjo também é belíssimo, com ótimos riffs de guitarra e presença certeira dos metais nas texturas.

The Drive começa com um climão pesado e urbano, com baixo e bateria tocando um riff que poderia, com imaginação, estar até em alguma música do Massive Attack. Porém, a voz e a interpretação de Harding nos lembra que aqui a pegada é outra, e observamos uma interessante mescla entre uma batida moderna e um arranjo delicado, com direito a trompete à lá Cake e uma guitarra espertíssima que eventualmente entra com um lick para deixar o ouvinte com a pulga atrás da orelha. Pra coroar tudo, temos no final um naipe de metais que poderia estar tranquilamente em uma música de Otis Redding.

Heaven's On The Other Side é um flerte válido e sincero com a disco music, claramente influenciado por bandas como Chic e Cameo. Todos os elementos estão aqui: guitarrinha à lá Nile Rodgers, baixo pulsante, bateria tocando o chimbal em semicolcheias e tudo mais. Dançante até a última nota, com um belo refrão e metais muitíssimo bem arranjados. Outro ponto altíssimo.

Drive My Car é um blues rock que me remete aos Rolling Stones, com uma melodia direta e guitarra dominante. Harding canta com uma voz mais grave e entonação mais despojada, como se fosse o resultado de um cruzamento quase inimaginável de Mick Jagger e Jimi Hendrix. Uma ótima faixa para se ouvir dirigindo, como o título sugere.

A penúltima faixa, I Need A Friend, tem um clima totalmente Marvin Gayeano, com o falsete malemolente acompanhando a base tranquila e sexy. A guitarrinha ao fundo com wah wah, os metais e o teclado parecem ter saído diretamente dos anos 70.

A música que encerra o álbum é Cruel World, que, a exemplo de Drive My Car, tem uma atmosfera estradeira. A bateria truncada e o baixo flertando com o jazz dão o suporte para a guitarra distorcida tocar seu riff estranho e Harding destilar seu feeling nos vocais. Um encerramento um tanto destoante das demais, mas é até apropriado se pensarmos no quão heterogêneo é este debut.

Curtis Harding estreou com o pé direito. Ele não se deixou deslumbrar com o debut, e isso significa que sua banda toca junto com ele, não para ele. Há nas músicas uma energia crua que vai na contramão das superproduções que dominam o mainstream, e isso é sempre muito bem-vindo. Ainda é cedo para falarmos de um segundo álbum – Soul Power foi lançado no dia 6 de maio de 2014! –, mas espero sinceramente que Harding consiga manter o nível em eventuais lançamentos vindouros. Certamente não sou o único.

Tracklist:
1. Next Time
2. Castaway
3. Keep On Shining
4. Freedom
5. Surf
6. I Don't Wanna Go Home
7. Beautiful People
8. The Drive
9. Heaven's On The Other Side
10. Drive My Car
11. I Need a Friend
12. Cruel World

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