terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Artista: Tom Zé; Álbum: Todos Os Olhos



Artista: Tom Zé
Álbum: Todos Os Olhos
Ano: 1973
Gênero: MPB; Tropicália

Tom Zé é demais. Tive a felicidade de conhecê-lo pessoalmente na última passagem dele por Bauru e o que era pra ser uma entrevista de cinco minutos virou um bate papo de mais de meia hora sobre a vida dele e sua experiência tropicalista. Mas vamos falar de Todos Os Olhos.

Este álbum foi lançado em 1973, quase dez anos após o início da ditadura militar no Brasil. Gil e Caetano já haviam deixado o tropicalismo de lado, mas Tom Zé seguia firme e forte. Não por fidelidade a uma ideologia ou coisa semelhante. Segundo o próprio, ele segue até hoje compondo nesse estilo porque "não sabe fazer outra coisa". O uso das guitarras elétricas, o lirismo ímpar e as diversas excentricidades estão encravadas nesta figura.

A capa de Todos Os Olhos é tema de inflamadas discussões até hoje. Por anos, foi um ânus (sem trocadilhos) com uma bolinha de gude. Mas aí a Carta Capital lançou uma matéria com o fotógrafo da capa do disco e ele contou que, na verdade, é uma boca. Chegaram a fotografar o famoso outro orifício, mas ficou muito óbvio do que se tratava e resolveram fotografar a bolinha de gude na boca da modelo. Muita gente ficou desapontada, mas o que importa é que, sem querer, Tom Zé gerou a polêmica: existe tanta diferença assim entre os dois?

Voltando. Todos Os Olhos é um disco fantástico. Traz algumas de suas melhores músicas (na opinião de quem vos escreve, lógico) e uma enorme variedade de experiências muito a frente de sua época. A começar pela faixa de abertura: Cademar não tem mais de um minuto e sua letra foi composta em parceria com o poeta concretista Augusto de Campos. É uma música truncada, parecendo um metrônomo. Nada convencional para uma abertura de disco.

Então começam os cavacos e a faixa título, Todos Os Olhos. Um samba meio esquisito, com violões de 12 cordas e uma letra tomzeana. "De vez em quando todos os olhos se voltam prá mim / De lá de dentro da escuridão / Esperando e querendo apanhar / Querendo que eu bata / Querendo que eu seja um Deus."

Dodó e Zezé conta com a participação de Odair Cabeça de Poeta. É praticamente folclórica, trazendo o diálogo entre dois personagens: um indaga (Dodó) e o outro sempre tem a resposta na ponta da língua (Zezé), geralmente irônica e muito crítica à sociedade. "-Sorrisos, creme dental e tudo / E por que é que a felicidade anda me bombardeando? / Diga Zezé / -Isso é pra todo mundo saber que ninguém mais tem o direito de ser infeliz, / viu Dodó? / -Ahn...". Na conversa que ele teve conosco, ele disse que isso é uma referência à "obrigatoriedade" do povo brasileiro ser feliz mesmo em plena ditadura militar. Nas palavras do próprio, "o cara aponta uma arma e fala 'seja feliz, filho da puta, senão eu te mato'". Simples assim.

Quando Eu Era Sem Ninguém é uma baião animadíssimo, cheio de triângulos e coros, e é um contraste imenso quando, ao seu término, começa Brigitte Bardot, uma bossa melancólica e filosófica sobre a musa dos anos 60 e que, segundo Tom Zé, estava ficando velha. "Envelheceu antes dos nossos sonhos. / Coitada da Brigitte Bardot, que era uma moça bonita. / Mas ela mesma não podia ser um sonho / para nunca envelhecer (...) / Será que algum rapaz de vinte anos vai telefonar / na hora exata em que ela estiver com vontade de se suicidar?" E, do nada e por pouco tempo, a música cresce, dando um fundo sombrio para "suicidar". Genial, perfeito casamento entre letra e música.

Uma das letras mais poéticas de Tom Zé (formalmente falando) é a do samba Augusta, Angélica e Consolação. Tom Zé retrata as características de alguns locais da cidade de São Paulo através de personificações e paranomásias. Segundo ele, os versos mais lindos que já escreveu na vida são "Quando eu vi que o Largo dos Aflitos / não era bastante largo / prá caber minha aflição, / eu fui morar na Estação da Luz / porque estava tudo escuro / dentro do meu coração". A música, em si, fica na cabeça. Um dos mais belos sambas já escritos.

Novamente um contraste. Logo após o lirismo de Augusta, temos a irreverência crítica de Botaram Tanta Fumaça. A música trata das conseqüências da modernização descontrolada, e entre estas estão os olhos ardendo, a cuca quente e a consciência podre. Em seguida temos O Riso e a Faca (em uma versão diferente da presente no disco anterior, entitulado Tom Zé) , e o que mais me chama a atenção nesta música é a maneira como ele trabalha as sílabas do fim de cada palavra no refrão. Algo como: "Fiz meu ber-ço-na / viração. / Eu / só descan / so-na / tempesta / de / só / adorme / ço-no / furacão". Até eu entender que ele não falava "só adormeço nu" foi um longo caminho.

"Um 'Oh!' e um 'Ah!'" não tem letra, apenas, como diz o título, "Oh", "Ah" e (surpresa!) "parakatizum". E depois desse interlúdio temos a porrada na cara: "Complexo de Épico" é uma alfinetada a muita gente da música. Faço questão de colocar a letra na íntegra logo abaixo:

Todo compositor brasileiro é um complexado
Por que então esta mania danada, esta preocupação
De falar tão sério,
De parecer tão sério
De ser tão sério
De sorrir tão sério
De chorar tão sério
De brincar tão sério
De amar tão sério?

Ai, meu Deus do céu, vai ser sério assim no inferno!

Por que então esta metáfora-coringa
Chamada "válida"
Que não lhe sai da boca, como se algum pesadelo
Estivesse ameaçando os nossos compassos
Com cadeiras de roda, roda, roda, roda?
E por que então esta vontade de parecer herói
Ou professor universitário
(Aquela tal classe que,
ou passa a aprender com os alunos - quer dizer, com a rua –
ou não vai sobreviver)?
Porque a cobra já começou a comer a si mesma pela cauda,
Sendo ao mesmo tempoa fome e a comida.

Sensacional. Não precisa nem comentar: a letra fala por si mesma.

Enfim, Todos Os Olhos é uma obra-prima e talvez o melhor disco de Tom Zé. Logo, está recomendadíssimo.

Tracklist:

1. Cademar
2. Todos os Olhos

3. Dodó e Zezé
4. Quando Eu Era Sem Ninguém
5. Brigitte Bardot
6. Augusta, Angélica e Consolação
7. Botaram Tanta Fumaça
8. O Riso e a Faca
9. Um "Oh" e um "Ah"
10. Complexo de Épico

Abaixo, Tom Zé tocando Augusta, Angélica e Consolação na passagem de som para o show na Unesp Bauru (filmado por mim, inclusive!):

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Meu triângulo amoroso infernal com George e Eric.

Vou abrir uma exceção e postar algo não-resenhático aqui.
Quem leu a resenha anterior, especificamente quando falo da música Bye, Bye Love, viu que George Harrison, Eric Clapton e uma mulher chamada Pattie Boyd foram os protagonistas de uma história tão comum nos filmes e talvez na vida real, mas que ficou especialmente famosa por envolver dois mitos do rock: um triângulo amoroso.

O interessante é que Pattie Boyd resolveu publicar dois artigos no Daily Mail passando a história a limpo (na versão dela, é claro). Eu traduzi os artigos e agora os coloco aqui, mas sempre ressaltando: pessoas mortas são citadas nesse artigo (George Harrison, Maureen Starkey e provavelmente alguns outros que desconheço), logo, não podem se defender. Mas, como diriam os caras do Monty Python, get on with it!

* * *

Nós nos encontramos em segredo em um apartamento em Kensington. Eric Clapton me pediu para ir para escutar uma nova música que ele havia escrito.

Ele ligou o gravador, aumentou o volume e tocou para mim a música mais poderosa e tocante que eu já havia escutado. Era Layla, sobre um homem que se apaixona perdidamente por uma mulher que o ama mas não está disponível.

Ele tocou para mim duas ou três vezes, olhando meu rosto a todo momento para ver minha reação. Meu primeiro pensamento foi: “Oh Deus, todo mundo vai saber que é prá mim”.Eu era casada com um dos amigos mais próximos de Eric, George Harrison, mas Eric estava deixando explícito seu desejo por mim havia meses. Eu me sentia inconfortável por ele estar me empurrando em uma direção que eu não estava certa se queria ir.

Mas, ao perceber que eu havia inspirado tanta paixão e criatividade, a música tirou o melhor de mim. Eu não pude mais resistir.

Naquela noite eu estava indo ao teatro para ver Oh! Calcutta! Com um amigo e depois iria a uma festa na casa do empresário Robert Stigwood. George não quis ir nem ao show nem à festa.

Depois do intervalo de Oh! Calcutta! eu voltei e encontrei Eric no assento ao lado, depois de persuadir um estranho a trocar de lugar com ele. Depois, nós fomos à casa de Robert separadamente, mas logo estávamos juntos. Era uma festa ótima e eu me senti lisonjeada pelo que havia ocorrido anteriormente, mas também profundamente culpada.

Depois de algumas horas, George apareceu. Ele estava de cara fechada e seu humor não melhorou ao caminhar por uma festa que já acontecia havia horas e a maioria dos convidados estavam sob efeito de drogas.

Ele insistia em perguntar “Onde está a Pattie?”, mas ninguém parecia saber. Ele estava quase indo embora quando ele me viu no jardim com Eric. Estava começando a amanhecer, e estava muito enevoado. George chegou para mim e perguntou: “O que está acontecendo?”. Para o meu horror, Eric disse: “Eu tenho que te contar, cara, que eu estou apaixonado pela sua mulher”.

Eu queria morrer. George ficou furioso. Ele virou para mim e falou: “Bem, você vai com ele ou vem comigo?”

Eu havia conhecido George seis anos antes, em 1964, quando nós estávamos filmando A Hard Day’s Night. A grã-bretanha e a maior parte da Europa estava na onda da Beatlemania.

John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr eram acompanhados por multidões onde quer que fossem, e em seus shows milhares de adolescents histéricas gritavam e berravam tão alto que ninguém conseguia escutar a música.

Pouco antes do início da filmagem de A Hard Day’s Night, os Beatles conquistaram a América. Em fevereiro de 1964 eles apareceram no Ed Sulliven Show, um dos programas de maior prestígio na América, e atraíram 73 milhões de telespectadores.

Eu era modelo, trabalhava com alguns dos fotógrafos mais bem sucedidos de Londres, incluindo David Bailey e Terence Donovan. Eu aparecia em jornais e revistas como Vanity Fair e Vogue, mas em março minha agente me enviou para um teste de elenco para um filme.

Ela me ligou depois para avisar que haviam me oferecido um papel de uma fã colegial em um filme dos Beatles. Minhas primeiras impressões foram que John parecia mais cínico e áspero que os outros, Ringo o mais carinhoso, Paul era bonitinho e George, com seus olhos castanhos aveludados e cabelo cor de avelã, era o homem mais lindo que eu já havia visto. Em um intervalo para o almoço, me encontrei sentada perto dele. Estar perto dele era eletrizante.

Uma das primeiras coisas que ele me disse foi: “Quer casar comigo?”. Ele estava brincando, mas havia um toque de seriedade. Nós ficamos juntos logo depois disso e nos casamos dois anos depois, no dia 21 de Janeiro de 1966. Eu tinha 21, ele tinha 22. Eu era tão feliz e estava tão apaixonada. Eu achava que ficaríamos juntos e seríamos felizes para sempre.

Três anos depois, em 1969, George escreveu uma música chamada Something. Ele me disse em uma conversa corriqueira que ele havia escrito para mim. Eu a achei linda e ela acabou sendo o maior sucesso que ele escreveu, com mais de 150 regravações.

Frank Sinatra disse que ele a achava a mais bela canção de amor já escrita. A versão preferida de George era a de James Brown. A minha era a do George Harrison, que ele tocou para mim em nossa cozinha.

Mas, de fato, desde então nosso relacionamento estava passando por problemas. Desde uma viagem ao templo do yogi Maharishi Mahesh na Índia, em 1968, George ficou obsessivo quanto à meditação. Às vezes ele ficava isolado e depressivo.

Meu humor começou a refletir o dele, e algumas vezes eu me sentia quase suicida. Eu não acho que tenha existido um perigo real de eu me matar, mas já cheguei a planejar como o faria: colocaria um belo vestido da Ossie Clark e me atiraria da Beachy Head.

E haviam outras mulheres, o que realmente me machucava. George era fascinado pelo deus Krishna, que sempre estava rodeado por jovens donzelas. Ele voltou da índia querendo ser um tipo de figura Krishna, um ser espiritual com diversas concubinas. Ele chegou até a dizer isso.

Nenhuma mulher estava fora do alcance. Eu era amiga de uma garota francesa que saía com Eric Clapton. Quando ela e Eric se separaram, ela veio ficar conosco em nossa casa, Kifauns, em Esher, Surrey.

Ela não parecia nem um pouco triste por Eric e estava desconfortavelmente próxima a George. Algo estava acontecendo entre eles, mas quando eu perguntei a George ele me disse que minha imaginação estava me guiando, que eu estava paranoica.

Eu fui viajar com umas amigas e depois de alguns dias George me ligou para dizer que a garota havia partido. Eu voltei para casa, mas estava chocada por ele ter podido fazer isso comigo. Me senti rejeitada e miserável.

Foi por essa época que Eric começou a frequentar nossa casa. Ele e George haviam se tornado amigos próximos, escrevendo e gravando música juntos.

A reputação de Eric como guitarrista era altíssima entre os músicos. Grafites nos muros declarando que “Clapton é Deus” estavam por todo o subúrbio de Londres, e era muito excitante vê-lo tocar. Ele era maravilhoso no palco, muito sexy.

Mas quando eu o conheci, ele não se comportava como um rock star – ele era surpreendentemente tímido e reticente. Eu sabia que Eric me achava atraente e eu gostava da atenção que ele me dava.

Era difícil não se sentir lisonjeada quando eu o pegava me olhando, ou quando ele escolhia se sentar próximo a mim. Ele me elogiava pelo que eu estava vestindo e a comida que eu cozinhava, e dizia coisas que sabia que me fariam rir. Essas eram todas as coisas que George não fazia mais.

Em uma noite de dezembro de 1969 eu levei minha irmã de 17 anos, Paula, para ver Eric tocar em Liverpool. Paula era muito bonita e um pouco do tipo “menina rebelde”, e naquela noite Eric se derreteu por ela. Depois do show, todos fomos para um restaurante e todos ficamos bêbados e rudes. Quando o resto de nós voltou para o hotel, deixamos Eric e Paula dançando.

Na noite seguinte, Eric estava tocando em Croydon e novamente Paula e eu fomos assistir, e novamente houve uma festa cheia de excessos depois do show, desta vez na casa de Eric em Ewhurst, Surrey. Logo depois, Paula foi morar com Eric.

Em março de 1970, George e eu nos mudamos para uma nova casa. Friar Park era uma magnífica casa no estilo vitoriano próxima de Hanley-on-Thames, Oxfordhire, com 25 quartos, um salão de festas, uma biblioteca, um jardim de 12 acres e mais 20 acres de terra.

Uma manhã, logo depois de nos mudarmos, uma carta chegou para mim com as palavras “confidencial” e “urgente” escritas no envelote. Dentro eu encontrei um pequeno pedaço de papel. Em letras miúdas, sem letras maiúsculas, eu li: “querida l. como você provavelmente já percebeu, meus assuntos caseiros são uma farsa galopante, que estão se degenerando dia após intolerável dia... parece uma eternidade desde a última vez que te vi ou falei com você!”

Ele precisava saber o que eu sentia: eu ainda amava meu marido ou eu tinha outro amante? Mais crucialmente, eu ainda tinha sentimentos em meu coração para ele? Ele precisava saber, e me implorou para que respondesse. “por favor faça isso, não importa o que diga, minha mente vai descansar... todo meu amor, e”.

Eu concluí que era de um maluco.

Eu recebia algumas cartas de fãs ocasionalmente – quando não eram cartas raivosas de fãs do George. Eu mostrei a carta para George e outros que estavam na casa. Eles riram e a desprezaram, assim como eu.Naquela noite, o telefone tocou. Era Eric. “Você recebeu minha carta?”, ele perguntou.

“Carta?”, eu disse. “Eu acho que não. De qual carta você está falando?”

Então caiu a ficha. “Era sua? Eu não imaginava que você se sentia assim”. Foi a carta mais passional que alguém já havia escrito para mim e colocou nosso relacionamento em um outro patamar. Ela fez o flerte mais excitante e perigoso. Mas eu pensava que era apenas flerte.

De tempos em tempos durante a primavera e o verão de 1970, Eric e eu nos vimos. Um dia, caminhando pela rua Oxford, ele me perguntou: “Você gosta de mim, afinal, ou está me vendo porque sou famoso?”

“Oh, eu pensei que você estava me vendo porque sou famosa”, eu disse. Nós rimos.

Ele sempre teve dificuldade em falar sobre seu sentimento, e ao invés disso os despejava em suas músicas e letras.

Teve uma vez em que nos encontramos sob o relógio da rua Guildford High. Ele havia acabado de voltar de Miami e me trouxe calças boca-de-sino – como na música Bell Bottom Blues (nota do tradutor: Blues das Calças Boca de Sino). Ele estava bronzeado e estava lindo e irresistível – mas eu consegui resistir.

Em outra ocasião eu dirigi para Ewhurst e nos encontramos num bosque ali perto. Eric estava usando um casaco de pele de lobo e estava muito sexy. Nós não fomos para sua casa porque alguém poderia estar lá. Muitas pessoas moravam em Hurtwood Edge: sua banda, os Dominos, Paula e Alice Ormsby-Gore, outra das namoradas de Eric.

A freira dentro de mim achou a situação desconfortável mas estranhamente excitante, e foi no fim daquele ano, depois que Eric tocou Layla para mim no apartamento em South Kensington que eu sucumbi a seus avanços.

Depois do confronto entre George e Eric na festa de Robert Stigwood, eu voltei para casa com meu marido. Ao chegar lá, eu fui para a cama e George desapareceu em seu estúdio.

Quando voltei a encontrar Eric, ele apareceu de surpresa em Friar Park. George estava viajando – eu não sei se Eric já sabia disso – e eu estava sozinha. Ele disse que queria que eu fugisse com ele: ele estava desesperadamente apaixonado por mim e não podia viver sem mim. Eu teria que abandonar George naquele momento e ir com ele.

“Eric, você está louco?”, eu perguntei. “Eu não posso. Estou casada com George”.

Ele disse: “Não, não, não. Eu te amo. Eu tenho que ter você na minha vida”.

'Não,' eu disse.

Ele pegou um pequeno frasco de seu bolso e o segurou em minha direção.

“Bem, se você não fugir comigo, vou usar isso”.

“O quê é isso?”

“Heroína”.

“Não seja tão estúpido”. Eu tentei tirar dele mas ele puxou seu punho e escondeu o frasco no bolso.

“Se você não fugir comigo”, ele disse, “é isso. Estou fora”.

E ele sumiu. Raramente o vi nos três anos seguintes.

Ele fez como ameaçou. Ele usou a heroína e rapidamente ficou viciado. E ele levou Alice Ormsby-Gore com ele.

Eric já havia usado vários tipos de drogas, aquelas todos usávamos – maconha, estimulantes, depressivos e cocaína – e ele bebia consideravelmente. Mas seu traficante andava insistindo recentemente que ele comprasse heroína cada vez que Eric comprava cocaína.

Eric andava usando heroína esporadicamente por quase um ano e acumulou uma boa quantidade. Então começou a usar sempre. Ele e Alice se isolaram em Hurtwood Edge. Ele não saía de casa, não via amigos, não atendia à porta ou ao telefone, e os dois quase caíram no esquecimento.

Nesse período Paula se foi. Ela esteve com Eric em Miami, quando ele estava gravando Layla, e na hora soube que era sobre mim. Ela sempre a suspeita de que Eric estava com ela porque ela era a segunda melhor coisa depois de mim, e eu era inalcançável. Ouvir Layla confirmou isso.

Ela esteve seriamente apaixonada por Eric, mas ele destruiu seu orgulho, auto-estima e confiança, que já eram frágeis.

Além disso tudo, sua irmã mais velha era a última pessoa em quem ela podia buscar apoio. Eu tentei ligar para Eric, mas Alice sempre atendida e eu desligava.

Eu passei a dar mais atenção para meu marido e para a reforma da casa. Por um breve período o projeto nos uniu, mas a casa era tão imensa e sempre tinha tanta gente nela que nunca tivemos qualquer intimidade. Na maior parte do tempo, mesmo quando George estava em casa, eu não sabia aonde ele estava.

Na hora das refeições, havia tantas outras pessoas na mesa que não era possível ter qualquer conversa. E mesmo que dividíssemos uma cama, ele geralmente estava em seu estúdio ou meditando metade da noite em seu quarto octagonal no topo da casa. Este cômodo havia virado seu santuário.

Eu me sentia mais e mais alienada. Eu não me sentia incluída nos pensamentos ou nos planos de George. Eu não era mais sua parceira em nada. Ele estava cercado de “homens-sim”. Quando eu o questionava disso, ele dizia: “Bem, eu odiaria estar cercado de homens-não”.

Eu ouvi falar de Eric novamente em janeiro de 1971, dois meses depois do encontro em que ele prometeu usar heroína. Ele me escreveu de uma cabana no País de Gales.

Na primeira página de uma cópia de “Of Mice And Man”, de Steinbeck, ele havia escrito: “querida layla, por nada mais que os prazeres do passado eu sacrificaria minha família, meu deus, e minha própria existência, e ainda assim você não se mexeria. eu estou no limite da minha mente, eu não posso voltar e não há nada no futuro (além de você) que pode me atrair para além de hoje. eu ouvi o vento, eu observei o aglomerado escuro de nuvens, eu senti a terra sob mim para um sinal, um gesto, mas havia apenas o silêncio. porque você hesita, sou um mau amante, sou feio, sou muito fraco, muito forte, você sabe porque? se você me quer, me leve, sou seu... se você não me quiser, por favor quebre este feitiço que me amaldiçoa. enjaular um animal é um pecado, domá-lo é divino. meu amor é seu.”

A carta estava assinada com um coração. Esta nota curta me despertou sentimentos que demorei dois meses para superar. Eu escrevi para ele e disse o que ele queria escutar.

“Como você está? Espero que o ar galês esteja refrescando sua mente e aquecendo seu coração. Oh, eu queria tanto passar um tempo com você aí... seria lindo estarmos juntos, apenas por um tempo.”

“Se as estrelas mudassem repentinamente seu curso e eu puder ir para Gales, enviarei um telegrama. Por favor, se cuide. Luas cheias de amor, L”

Assim que postei a carta, tive dúvidas terríveis e imediatamente enviei um cartão postal. Ele simplesmete dizia: “Olá, por favor desculpe e esqueça minha sugestão desmiolada. Com amor, L”.

Sua resposta veio na contracapa de um livro de baladas escocesas e estava escrita em tinta verde.

“foi muito significante ter recebido ambas as cartas na mesma manhã. foi como observar um bumerangue em pleno vôo”.

Ele disse que entendia minha situação e não sabia o que sugerir.

“eu amo você, mesmo você sendo medrosa”.

Nada saiu das nossas fantasias e eu não o vi ou falei com ele novamente até agosto de 1971. George havia persuadido Eric a ir para Hurtwood Edge para tocar em um evento filantrópico, Concert For Bangladesh, em Nova York.

Eric estava em uma fase péssima, mas George achava que se o levasse ao palco, mesmo sob o efeito de drogas, seu vício viraria um “segredo averto” e talvez ele abrisse a porta para seus amigos um pouco, e eles poderiam ajudar.

Todo mundo sabia que se Eric tivesse a chance de terminar duas performances – uma de tarde e outra de noite – ele necessitaria de um suplemento de heroína assim que chegasse em Nova York.

Eu me lembro de conversas sobre encontrar uma muito boa, chamada Elefante Branco, para ele. Tinha que ser muito pura porque ele nunca injetava – ele morria de medo de agulhas – mas cheirava, como se fosse cocaína, em uma colher de ouro que ele usava no pescoço. Alice encontrou a heroína – ela sempre conseguia.

Enquanto eles moravam em Hurtwood Edge, ela foi para Londres para fazer o trabalho sórdido de pegar suplementos enquanto Eric ficava em casa. Se os suplementos começassem a acabar, ela daria a parte dela e pegaria alguma outra coisa. Ela estava bebendo pelo menos duas garrafas de vodka por dia para que ele pudesse usar a heroína.

Naquele dia ele e eu mal nos falamos. Ele estava rodeado de pessoas, e no palco, ele estava bem desligado; eu não tenho certeza se ele me viu. Foi um choque pensar que ele havia feito aquilo para ele mesmo por minha causa. No começou eu me senti culpada, mas depois meus sentimentos se inverteram violentamente e eu fiquei furiosa por ele ter me pedido para escolher entre ele e o meu marido.

Quando o show acabou, Eric e Alice voltaram para os horrors de sua prisão auto-imposta em Hurtwood Edge. Pete Townshend do The Who era o único amigo que se recusava a aceitar “não” como resposta e ia para a casa com tanta freqüência que eventualmente Eric teria que vê-lo.

Pete o persuadiu a tocar em outro show beneficente, desta vez em Finsbury Park, na zona norte de Londres.

O show em 1973, divulgado como a volta de Eric, foi um triunfo. Eu estava sentada na platéia com George, Ringo, Elton John, Joe Cocker e Jimmy Page. Eric não parecia bem – sua dieta de viciado de junk food e chocolate fizeram com que ele engordasse.

Quando eu ouvi as primeiras notas de Layla, a primeira música da noite, e depois a letra, meu sangue gelou. Ele podia ter se destruído nos últimos três anos, mas ele não havia esquecido como tocar um coração com sua guitarra.

Toda a emoção que eu havia sentido por ele quando ele desapareceu da minha vida ferveu dentro de mim.

O show fez Eric lembrar que havia uma alternativa para sua vida de viciado e ele concordou em aceitar o tratamento. Ele se livrou da heroína – e foi direto para o álcool.

Ele se tornou um visitante regular de Friar Park e expunha seu amor por mim com vigor crescente. Cartas chegavam quase diariamente, e nelas ele pedia para que eu deixasse George e fosse com ele.

Enquanto isso, as coisas entre George e eu estavam indo de mal a pior. Eu não sabia quais eram seus sentimentos em relação ao Eric quando ele voltou em nossas vidas.

Nós estávamos tão chapados na noite da festa de Robert Stigwood que ele poderia ter esquecido sobre o confronto na névoa, mas eu acho que não. George nunca falou sobre isso, mas depois daquela noite eu acho que ele sentiu que podia ser tão descarado quanto quisesse ao buscar outras mulheres.

Na primavera de 1973 nós iríamos viajar juntos nas férias. No dia anterior à nossa partida, George disse que não estava se sentindo bem e que não poderia ir. Ele acabou indo para a Espanha, supostamente para ver Salvador Dali, com a mulher de Ronnie Wood, Krissie.

Ronnie, então baixista do The Faces, e Krissie, eram nossos amigos e freqüentemente vinham passar uns dias em Friar Park. Eu estava desesperadamente machucada: outra de minhas amigas estava dormindo com George.

Quando eu o desafiei ele negou.

Ao invés de viajar com George, fui às Bahamas com minha irmã Paula, que estava lutando contra o próprio vício em heroína. Enquanto estávamos lá recebemos uma ligação de Ronnie Wood. Ele estava em turnê e disse que iria passar uns dias conosco. Ele não parecia bravo com o fato de sua mulher estar com George – ele achava engraçado eles terem ido ver Dali.

Ronnie era um homem adorável, e talvez naquele momento um pouco de diversão, risadas e um par de braços confortantes fossem o que eu precisava.

A gota d’água para George e eu foi seu caso com a esposa de Ringo, Maureen. Ela era a última pessoa de quem eu esperava uma punhalada nas costas.

Eu descobri através de algumas fotos que ela esteve em casa com George enquanto eu visitava minha mãe em Devon. Ele havia dado a ela um belo colar, que ela usou na minha frente.

Então eu os encontrei trancados em um quarto em Friar Park. Eu fiquei do lado de fora esmurrando a porta e gritando: “O que você está fazendo? Maureen está aí dentro, não está? Eu sei que ela está!”. George apenas ria.

Depois de um tempo ele abriu a porta e disse: “Oh, ela só estava um pouco cansada, então se deitou”.

Eu corri direto prá laje da casa e abaixei a bandeira com o símbolo do Om que George tinha hasteado e hasteei a bandeira de pirata no lugar. Aquilo me fez sentir muito melhor.

Maureen não estava preparada nem para ser sutil. Ela voltou ao Friar Park meia noite e eu perguntei: “Que diabos você está fazendo aqui?” “Eu vim escutar o George tocar no estúdio.” “Bem, eu vou para a cama.” “Ah, bem, eu vou pro estúdio.”

Na manhã seguinte ela ainda estava lá, e eu perguntei: “Você já pensou nos seus filhos? O que você quer? Não gosto disso.”

'É complicado,' foi sua resposta.

Ringo não imaginava o que estava acontecido até eu ligar para ele um dia e dizer: “Você já se perguntou porque sua mulher não volta para casa de noite? É porque ela está aqui!” Ele ficou furioso.

George continuava fingindo que nada estava acontecendo e me deixava sentir como se estivesse ficando paranoica.

Eu me sentia rejeitada e abandonada e era terrivelmente difícil falar com George. Ele havia ficado pior no ano anterior, talvez porque Eric continuasse vindo e deixando óbvio que queria me ver. George deve ter sentido que estávamos tendo um caso mas nunca disse nada.

Numa noite, o ator John Hurt estava conosco. Eric estava para vir também e George decidiu tirar a história a limpo com ele. John quis ser educado e sair, mas George insistiu para que ficasse.

John se lembra de George descendo as escadas com duas guitarras e dois pequenos amplificadores, os deixando no chão da sala e esperando impacientemente a chegada de Eric – que estava de cara cheia, como de costume.

Assim que Eric passou pela porta, George estendeu uma guitarra e um amplificador a ele – como um cavalheiro do século XVIII oferece a espada a um rival – e por duas horas, sem uma palavra, eles duelaram. O ar estava elétrico e a música excitante.

No fim das contas nada foi dito, mas o sentimento geral era de que Eric havia ganhado. Ele não havia se deixado irritar ou apelado para exercícios de escala como George havia. Mesmo bêbado, ele era imbatível na guitarra.

Toda a época foi maluca. Friar Park era um hospício. Nossas vidas eram regadas a álcool e cocaína, e assim era a vida de todos que viviam no nosso meio. Todos estávamos tão bêbados, chapados e hedonistas quanto os outros. Ninguém parecia ter objetivos, prazos ou nada pressionando suas vidas, nenhuma estrutura ou responsabilidade.

Cocaína é uma droga sedutora porque faz você se sentir eufórico e bem consigo mesmo. Ela tira suas inibições e faz até a pessoa mais tímida e insegura se sentir confiante.

E nós tínhamos tanta energia – qualquer um falaria besteiras duas vezes mais e beberia duas vezes mais porque a cocaína nos fazia sentir sóbrios. George usava cocaína demais e eu acho que isso o mudou.

Maconha não era destrutiva. A maconha nos anos sessenta – uma druga muito diferente do skunk que os garotos fumam hoje – tinha a ver com paz, amor e expansão de consciência. Cocaína era diferente e eu acho que congelou as emoções de George e endureceu seu coração.

Na noite de ano novo de 1973, Ringo deu uma festa em sua casa. George chegou antes de mim e, quando eu cheguei, ele disse: “Vamos nos divorciar neste ano”.

Em 1974, George contou a Ringo que estava apaixonado por sua esposa. Ringo ficou num estado lastimável e saiu dizendo: “Nada é real, nada é real”.

Fiquei furiosa. Saí de mim e pintei meu cabelo de vermelho.

Em junho daquele ano, eu voltei para casa uma noite para encontrar Eric, Pete Townshend e Graham Bell, outro músico, perambulando ao redor de nossa casa.

Eu fiz uma janta, que nós comemos entre risos forçados, e então Eric me levou para fora e me pediu novamente para deixar George. Nós ficamos sozinhos e juntos pelo que pareceram horas, e ele estava tão passional, desesperado e persuasivo que eu me senti inquieta, perdida e confusa.

Eu tinha de fazer uma escolha. Eu iria com Eric, que havia escrito a música mais linda para mim, que havia ido ao inferno e voltado nestes últimos três anos por minha causa e que havia me balançado com seus protestos de amor?

Ou eu escolheria George, meu marido, que eu havia amado mas que estava sendo frio e indiferente em relação a mim por tanto tempo que eu mal podia me lembrar da última vez que ele havia me mostrado qualquer afeto, ou dito que me amava?

Naquela noite, Eric partiu e foi quase que diretamente para os Estados Unidos em turnê. No dia 3 de julho eu contei a George que o estava deixando. Era tarde da noite e eu entrei no estúdio explicando que estávamos levando uma vida ridícula e odiosa, e que eu estava indo para os Estados Unidos. Quando ele foi para a cama, eu podia sentir sua tristeza ao deitar ao meu lado. “Não se vá”, ele disse.

Metade de mim queria ficar e acreditar nele quando ele disse que ia melhorar, mas eu estava decidia.

No dia seguinte, com grande tristeza no coração, eu empacotei algumas coisas, disse um adeus choroso ao Friar Park e voei para a América. O que eu havia sentido por George foi um grande e profundo amor. O que Eric e eu tínhamos era uma paixão poderosa e intoxicante.

Era tão intensa, tão urgente, tão avassaladora que eu quase perdi o controle. Ao fazer a decisão de sair do meu casamento, eu sabia que estaria com ele, iria a todos os lugares com ele, faria tudo o que ele fizesse, ficaria com ele de todo o jeito. O que, naquela turnê nos Estados Unidos em 1974, significava beber.
* * *



Para enriquecer mais este post, eis dois vídeos de duas das mais belas músicas de amor do rock, e ambas para Pattie Boyd.

Something...

e Layla.


A matéria original está disponível neste link.
Esta tradução também foi publicada pelo site Whiplash! e pode ser lida aqui.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Artista: George Harrison; Álbum: Dark Horse



Artista: George Harrison
Álbum: Dark Horse
Ano: 1974
Gênero: Rock

Depois que o sonho acabou, os quatro Beatles seguiram suas carreiras-solo com características bem diferentes umas das outras. John lançou Plastic Ono Band em 1970, um ótimo trabalho minimalista e cru de perfil autobiográfico e quase terapêutico. Paul McCartney já havia lançado seu debut McCartney em 1970, e nele estavam duas das melhores músicas de toda a sua carreira: Junk e Maybe I'm Amazed. Ringo Starr, no mesmo ano do fim dos Beatles (1970) lançou dois álbuns: Sentimental Journey e Ringo; o segundo reuniu todos os beatles em diferentes faixas e foi um sucesso de vendas.

Foi George Harrison quem lançou o debut mais vendido de todos: All Things Must Pass, de 1970. Um álbum triplo de material rejeitado pelos outros beatles (principalmente Paul) e considerado por muitos o melhor álbum que um dos Beatles lançou em carreira solo. Em seguida lançou o também aclamado Living In The Material World, de 1973. E em seguida veio o álbum tratado aqui: Dark Horse, de 1974.

Por que incluir Dark Horse na categoria "Música Estranha e Boa"? Simples: é estranho porque George gravou o disco todo sem ter se recuperado completamente de uma grave laringite. E é bom porque é George Harrison.

A vida pessoal de George Harrison em 1974 estava repleta de novidades. Além do fim de seu relacionamento com a então esposa Pattie Boyd (que iria se casar com um dos melhores amigos de George, Eric Clapton, que inclusive participa do disco), George estava arrastando suas asas para cima de Olivia Arias, que seria sua companheira até a morte em 2001. E aliado a tudo isso está a já citada laringite, que deixou a voz de George completamente rouca. Mas vamos às canções.

Hari's On Tour (Express) é a faixa de abertura. Um belo instrumental, cheio de saxofones e slides. Muito animada, técnica e sem dúvida uma ótima abertura. E em seguida começa uma das músicas mais bonitas da carreira solo de George: Simply Shady. Uma letra filosófica e uma melodia muito trabalhada servem de fundo para uma voz rouca, que se esforça muito para alcançar cada nota mais aguda.

So Sad tem algo de sonhador, como Lucy In The Sky With Diamonds de John. Mais uma vez a música é diretamente influenciada (piorada/melhorada?) pela voz estranha de George. Não sei porque, mas sinto que a banda brasileira Supercordas (eles ainda vão ter uma resenha aqui) foi muito influenciada por essa música. Mais uma letra transcendental de George.

Bye, Bye Love é no mínimo irônica. Como já disse, foi em 1974 que Pattie Boyd (ex-mulher de George) trocou o ex-beatle por Eric Clapton, seu melhor amigo. Foi uma separação traumática, principalmente para Pattie, mas aqui o triângulo amoroso aparece junto, neste cover modificado da música dos Everly Brothers, de 1957. George alterou alguns versos para que a música fizesse referência ao ocorrido, e chamou Pattie para fazer os backing vocals e Eric para tocar guitarra. Situação estranha, ótima música.

Māyā Love é um belo rock and roll, com a participação de Billy Preston e mais uma vez é gritante a dificuldade que George tem para cantar a música, devido à laringite. Ding Dong é curiosa por ser uma música de ano novo. Boa parte da melodia se baseia nos tradicionais sinos, aqueles mesmos que Paul McCartney utilizou no início da famosa Let'em In. Entretanto, a música de George é alegre e traz uma letra quase infantil.

Dark Horse é um country rock, e talvez tenha sido a faixa mais castigada pelas condições da voz de George (inclusive, alguns críticos maldosos apelidaram o álbum de Dark Hoarse. "Hoarse" significa "rouco"). É uma faixa muito bem arranjada e com um refrão pegajoso, mas... ok, não falo mais que a voz de George prejudicou a música.

Far East Man tem um toque Pink Floyd, muito parecido com aquele de muitas faixas do All Things Must Pass. Deliciosa de se ouvir, leve e com os vocais muito bem executados (apesar de... enfim). E o gran finale fica por conta da religiosa It Is He (Jai Sri Krishna). Faixa alegre, como a maioria das músicas religiosas, e a voz de George parece não estar tão prejudicada. Traz até tablas, em referência à cultura hindu. Nada mais George Harrison que isso.

Dark Horse é um ótimo álbum. Certamente não é o melhor da carreira de George, mas é o mais curioso por trazer todos esses fatores já citados. Em breve postarei o artigo traduzido de Pattie Boyd para o Daily Mail.

O tracklist é o seguinte:
1. Hari's On Tour (Express)
2. Simply Shady
3. So Sad
4. Bye Bye, Love
5. Māyā Love
6. Ding Dong
7. Dark Horse
8. Far East Man
9. It Is He (Jai Sri Krishna)

Abaixo, a faixa título:

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Banda: Os Mutantes; Álbum: Jardim Elétrico


Banda: Os Mutantes
Álbum: Jardim Elétrico
Ano: 2001
Gênero: Hard Rock; Experimental

Leitores, permitam-me o clichê: falar de rock brasileiro sem falar d'Os Mutantes é, no mínimo, incompleto. Trata-se de uma banda de enorme importância, sendo considerada, por algumas pessoas, melhor que os Beatles (há controvérsias, mas gosto é gosto).

A história d'Os Mutantes começa quando dois irmãos, Sérgio e Arnaldo Dias Baptista conhecem Rita Lee e formam a banda The Six Sided Rockers, que mais tarde mudaria de nome para O Conjunto e finalmente para Os Mutantes em 1965. Vale lembrar que Sérgio Dias, na época, tinha apenas 13 anos; Arnaldo e Rita Lee tinham 15 anos. Ficaram conhecidos ao participar do disco Tropicália: Ou Panis et Circenses, uma compilação de músicas de diversos artistas do tropicalismo. No ano seguinte lançariam seu primeiro álbum (chamado simplesmente de Mutantes), que trazia uma produção tosca para diversas versões de músicas de Caetano Veloso, Jorge Ben, Sivuca, entre outros. Em seguida lançaram Os Mutantes, um dos grandes álbuns do rock nacional que mescla estilos como sertanejo e rock (na faixa 2001) e faz inúmeras experiências até então inéditas na música brasileira (como o frenesi de Dom Quixote e as extravagâncias de Caminhante Noturno).

Nos anos 70, a banda passou a flertar muito mais com o hard rock, praticamente abandonando o tropicalismo no álbum A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado, de 1970. Mas vamos logo para o Jardim Elétrico, de 1971.

Os Mutantes já eram uma banda maior nessa época, contando com Dinho Leme na bateria e Liminha no baixo (Arnaldo Baptista foi para os teclados). O desafio dos Mutantes era manter a qualidade do álbum anterior e, concomitantemente, inovar, trazer algo de novo para os fãs. E conseguiram. Logo de cara os Mutantes apresentam Top Top, um rock and roll muito bem humorado trazendo uma Rita Lee com a voz alterada, extremamente aguda. No refrão, "sabotagem" e palavras quase initeligíveis são alternadas entre Rita e Arnaldo, uma das duplas mais férteis da música brasileira.

Em seguida temos Benvinda, faixa que parece ter saído de uma parceria imaginária de Tim Maia com Arnaldo Baptista. Uma faixa totalmente romântica, com metais e violinos e uma letra sentimental-mutante ("Benvinda, eu estou em paz. Você demorou, por onde andou? Fiquei chateado... coitado de mim"). Totalmente contrastante com a anterior e com a próxima, a belíssima Tecnicolor, a única composta pelos Mutantes integralmente cantada em inglês (desconsiderando-se, é claro, o álbum Tecnicolor, lançado em 2000 e gravado no começo dos anos 70, e o DVD gravado em 2006, na Inglaterra. Ambos trazem diversas versões em inglês de músicas da banda). Rita Lee é um show à parte.

El Justiciero, um flamenco em portunhol e introdução em inglês. Difícil imaginar uma banda que fizesse uma música assim, mas Os Mutantes fizeram. Extremamente bem humorada e viciante, e uma demonstração da técnica de Sérgio Dias, então com 19 anos. O blues de It's Very Nice Pra Xuxu e o jazz de Portugal de Navio mostram a ecleticidade da banda e, acima de tudo, o bom humor. Na primeira, um Arnaldo sentimental pede palmas para si mesmo por sua evolução pessoal; na segunda, faz um trocadilho fonético impagável: "Eu tentei te amar, mas você não sentiu; eu tentei te encontrar, mas você me fugiu; e hoje eu vou te mandar pra Portugal de navio".

Virgínia me lembra muito Octopus' Garden, dos Beatles. Uma música grudenta com um refrão grudento, e uma doçura que é destruída com a faixa-título do álbum. Jardim Elétrico já ganhou uma versão até dos Ratos de Porão. É extremamente pesada, hard rock. Mais um ponto para a riqueza de estilos deste disco.

Claro que o leitor pode discordar de tudo o que digo aqui, mas na minha humilde opinião Lady, Lady é a música mais fraca do Jardim Elétrico. Apesar de ter suas mudanças rítmicas, é ofuscada pelas demais. A seguinte, por exemplo, é Saravá. Pesada e melódica ao mesmo tempo, com um quê de Led Zeppelin e vocais muito bem executados. O álbum é finalizado com uma versão em inglês de Baby, de Caetano Veloso, fechando com chave de ouro um dos pontos altos do rock brasileiro nos anos 70.

Recomendadíssimo.


Tracklist:
1. Top Top
2. Benvinda
3. Tecnicolor
4. El Justiciero
5. It's Very Nice Pra Xuxu
6. Portugal de Navio
7. Virgínia
8. Jardim Elétrico
9. Lady Lady
10. Saravá
11. Baby

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Banda: Tomahawk; Álbum: Anonymous


Banda: Tomahawk
Álbum: Anonymous
Ano: 2007
Gênero: Metal Experimental; Música Indígena Norte-Americana

O Tomahawk foi fundado no ano 2000, justamente quando o Mr. Bungle terminou. Mike Patton e o guitarrista Duane Denison (ex-Jesus Lizard) começaram um intercâmbio de idéias musicais e juntamente com o baterista John Stanier (ex-Helmet) e com o baixista Kevin Rutmanis (ex-Melvins) fundaram a banda e lançaram o primeiro álbum auto-intitulado pelo selo da Ipecac Records (gravadora que Mike Patton fundou após o fim do Faith No More) em 2001. Dois anos mais tarde a banda lançaria "Mit Gas" e já tinha fãs fiéis (e não apenas saudosistas do tempo do Faith No More). Quatro anos depois de "Mit Gas", o Tomahawk lança seu trabalho mais audacioso, "Anonymous", e divide opiniões.

"Anonymous" é um álbum conceitual, tendo sido inteiramente baseado em músicas de índios nativos dos Estados Unidos. Além disso, é o primeiro álbum sem o baixista Kevin Rutmanis, que deixou a banda por motivos desconhecidos. Até aí, tudo bem. O problema para muitos fãs é que o Tomahawk era a única das inúmeras bandas de Mike Patton que fazia algo mais próximo do rock mais acessível e linear. Os demais trabalhos, como o Fantômas e o Moonchild, são repletos de experimentalismo e elementos de estilos como noise, grindcore e death metal, que definitivamente não agradam a todos os fãs de rock. E o novo álbum do Tomahawk tem experimentalismo de sobra.

A faixa de abertura ("War Song") traz um clima sombrio que poderia muito bem abrir um álbum do Fantômas, com direito a encerramento com sample de chuva. Mas os fãs do estilo dos dois álbuns ficarão realmente chocados a partir da segunda faixa, "Mescal Rites 1".

A música traz um ritmo completamente quebrado, com todos os instrumentos muito sincronizados e coesos. É extremamente sólida e pesada, mas nada linear ou tradicional. É discutível se a faixa poderia estar presente em um disco do Fantômas, mas é difícil contestar a qualidade da faixa.

"Ghost Song", a terceira faixa do disco, é mais calma e menos quebrada, trazendo um timbre totalmente diferente da guitarra de Denison e um Patton mais calmo. O álbum segue com "Red Fox" e "Cradle Song", as músicas que mais se aproximam dos álbuns anteriores do Tomahawk - mas ainda assim trazem uma banda inovadora e inquieta, sempre tentando incorporar algo de novo ao seu estilo.

A sexta faixa é a divertidíssima "Antelope Ceremony", com seu riff de guitarra grudento e as ótimas vocalizações de Patton. É seguida pela ótima "Song Of Victory", que traz novamente a voz acompanhando a melodia dos instrumentos - característica marcante da música indígena norte-americana.

"Omaha Dance" é viajante e lembra um pouco o Tomahawk da época do "Mit Gas". "Sun Dance" traz diversas variações rítmicas, mesclando peso e leveza.

"Mescal Rites 2" pouco tem a ver com a primeira: é uma música extremamente calma, lembrando uma trilha sonora, com uma percussão marcante e diversas vocalizações.

"Totem" parece um rito de preparação para uma batalha, com um ritmo bem marcado. "Crow Dance" é profunda, muito bem trabalhada e traz um Mike Patton extremamente versátil e elástico, capaz de mudar sua voz em uma fração de segundo. O álbum termina com uma faixa solo de Denison.

É um álbum extremamente criativo e provavelmente um dos melhores de 2007, com elementos nunca explorados antes pelo Tomahawk. A banda amadureceu e, apesar do desfalque de Kevin Rutmanis, conseguiu criar o melhor trabalho de sua carreira. Entretanto, os fãs mais conservadores vão torcer o nariz para os diversos momentos de experimentalismo deste álbum.


Tracklist:
1. War Song
2. Mescal Rite 1
3. Ghost Dance
4. Red Fox
5. Cradle Song
6. Antelope Ceremony
7. Song of Victory
8. Omaha Dance
9. Sun Dance
10. Mescal Rite 2
11. Totem
12. Crow Dance
13. Long, Long Weary Day

Recomendado.
Nota: esta resenha também está disponível no site Whiplash!