Banda: Sparks
Álbum: Kimono My House
Ano: 1974
Gênero: Glam rock; pop
Álbum: Kimono My House
Ano: 1974
Gênero: Glam rock; pop
Finalmente uma
resenha de um álbum que pode ser classificado, de certa forma, como glam rock, um gênero que é impiedosamente
massacrado e confundido. Não tem como eu falar de Sparks e da história do rock and roll nos anos 70 sem explicar o
que é esse estilo e quem são seus herois.
O glam rock é um estilo nascido na
Inglaterra no comecinho dos anos 70. Musicalmente falando, é um rock and roll
carregado de sensualidade e irreverência, e isso se reflete muito (e não há
como frisar esse muito
suficientemente) no visual das bandas. O visual, aliás, é uma das peças-chave
do glam – termo que remete a glamour. Valia tudo: botas-plataforma,
maquiagem, roupas brilhantes, cachecóis, permanentes, glitter e por aí vai.
É geralmente
aceito que o glam rock nasceu quando
uma banda chamada Tyranossaurus Rex,
liderada pelo eterno Marc Bolan,
mudou de nome para T. Rex, trocou os
violões pelas guitarras elétricas e lançou o single Ride A White Swan em outubro de 1970. A música aos poucos ganhou as
rádios britânicas e conquistou o público com sua batida simples,
guitarra-chiclete e a voz peculiar de Bolan.
Mas não há glam rock sem imagem, e o T. Rex realmente começou a fazer
história a partir desta apresentação, na qual Bolan e a banda aparecem usando roupas brilhantes e glitter:
Em 1971 o T. Rex lançou o essencial Electric Warrior (praticamente a
enciclopédia do glam rock), mas o
auge do estilo foi, sem dúvidas, 1972, quando a banda de Bolan se consolidou com The
Slider, o Roxy Music lançou seu
debut auto-intitulado e principalmente quando David Bowie lançou seu inacreditável The
Rise And Fall Of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars.
Esse álbum foi
essencial para a difusão do estilo além-Reino Unido. Bowie conquistou fama internacional e levou a febre do glam rock
para os EUA, influenciando nomes como LouReed e Iggy Pop (basta ver as
capas de Transformer e Raw Power para entender o que eu estou
falando). Além disso, a abordagem de Bowie
era mais criativa que a de seu amigo Bolan,
levando o estilo a um patamar mais elevado - fãs de T. Rex, não me crucifiquem! Eu adoro a banda, mas se compararmos Bowie e Bolan de 1970 até 1977 esse ponto de vista se sustenta quase sem
argumentação.
De qualquer
maneira, tudo isso para chegar até o Sparks.
A banda, liderada pelos irmãos Ron e Russell Mael, nasceu nos EUA em 1968 com
o nome de Halfnelson. O estilo deles
nessa época era próximo ao pop/rock psicodélico, e não demorou para que o
produtor e músico Todd Rundgren (que
também é deveras talentoso, tendo lançado álbuns ótimos como Something/Anything e A Wizard, A True Star) os descobrisse.
Lançaram um álbum auto-intitulado que vendeu muito mal, mudaram o nome da banda
para Sparks e lançaram o álbum A Woofer In Tweeter’s Clothing. Esse
álbum rendeu a eles uma turnê pela Inglaterra e uma apresentação na BBC na qual o apresentador Bob Harris os classificou como “uma
mistura entre os Mothers Of Invention
(banda de Frank Zappa) e The Monkees.
Em 1973, o Sparks se mudou de vez para a Inglaterra
a convite da gravadora Island Records.
Os irmãos aceitaram e mudaram-se para Londres, mesmo sem ter nenhuma música
nova.
Esse problema
seria resolvido durante o verão por Ron.
Com um piano e um violão, ele compôs um conjunto de músicas com um padrão de
qualidade nunca antes atingido pela banda – as músicas que estariam em Kimono My House. As músicas incorporavam elementos
interessantíssimos, como música clássica e rock – algo que não era tão
apreciado nos EUA, mas que fazia um sucesso enorme no Reino Unido; eles
chegaram a se apresentar para uma plateia de seis pessoas nos EUA, mas lotavam
as casas de shows em Londres.
Além das
composições únicas, a banda se destacava pela presença de palco
interessantíssima: enquanto o vocalista Russell
Mael era extravagante e hiperativo, dando pulinhos e fazendo caras e bocas,
seu irmão Ron era o oposto, com uma
expressão fixa, vestido com roupas sociais e seu bigodinho à-lá Hitler.
Falemos, enfim, de Kimono My House.
Lançado em
1974, trata-se do primeiro álbum da banda na Inglaterra. Foi muitíssimo bem
sucedido em muitos sentidos, e é certamente o álbum mais importante do Sparks – Kurt Cobain, o falecido frontman do Nirvana, e Morrissey,
ex-frontman dos Smiths, citam este
álbum em sua lista de favoritos – o último chegou a escrever uma carta para os
irmãos Mael para agradecê-los por
terem despertado seu interesse por música com Kimono My House. O que é sensacional sobre este álbum é que as
músicas são incrivelmente extravagantes e urgentes ao mesmo tempo. Os ritmos e
melodias são muito, mas muito inquietantes – no bom sentido. Algumas pessoas
chegam a definir o estilo deles como um derivado do camp humour – um tipo de humor que é engraçado justamente porque é
deliberadamente extravagante e ridículo.
Antes de falar
das músicas, vou falar de outra parte do álbum que merece destaque: a capa. Sem
nenhuma indicação na frente do nome da banda ou do álbum, traz apenas a foto de
duas mulheres japonesas vestidas em trajes tradicionais (kimono) na frente de
uma parede verde. Desafiador e muito incomum, até para os dias de hoje.
A faixa de
abertura é talvez a música mais conhecida da banda: This Town Ain’t Big Enough For Both Of Us. Peculiaríssima, a música
mostra bem o estilo do Sparks nesse
álbum: dominado pelos teclados de Ron,
com os únicos e agudos vocais de Russell
em seu estilo operático cantando letras surreais e engraçadas. Começa com um
teclado quieto, mas logo a voz e os riffs geniais da guitarra de Adrian Fisher, a bateria furiosa de Dinky Diamond e o baixo sólido de Martin Gordon dão um peso incrível a
essa faixa memorável, que chegou a ocupar o segundo lugar nas paradas
britânicas. Perfeita abertura para o álbum.
Amateur Hour começa com um riff frenético que
tem a cara do Sparks. Frenética, foi
o segundo single do álbum e alcançou o sétimo lugar nas paradas. A letra é um
sarro e fala sobre como se deve treinar na prática sexual para se tornar um
“profissional” – e que “ela vai fazer você perceber” quando você chegar lá. Os
teclados de Ron e a bateria de Diamond são o grande destaque dessa
faixa para mim.
Falling In Love With Myself Again é uma faixa esquisitíssima. É uma valsa
meio dark, pesada, e com um toque daquelas canções tradicionais alemãs. Algumas
passagens instrumentais são muito bem executadas e originais, com apenas o teclado,
baixo e bateria levando a música. A parte em que a guitarra “pergunta” e o
baixo “responde” é um show à parte.
Here In Heaven é espetacular. A melodia é
belíssima e pesada ao mesmo tempo. A letra é um show à parte: fala de um garoto
apaixonado que havia combinado de se suicidar junto com a namorada, mas na hora
H apenas ele se matou. No fim, ele se encontra sozinho no paraíso sem ela.
Tragicômica ao extremo, criativa e bonita.
Thank God It’s Not Christmas pode ser
resumida em seu refrão: “Thank God it’s not Christmas, when there is only you
and nothing else to do” – ou “Graças a Deus não é Natal, quando só tem você e
nada mais para fazer”. Sensacional, novamente com uma melodia sombria e
engraçada ao mesmo tempo, do jeito que só o Sparks
consegue fazer. Os teclados dão um tom muito grandioso à música,
principalmenten o refrão. Bela faixa.
Apesar da
guitarra ser um instrumento “secundário” no Sparks,
o talento do guitarrista consegue fazê-la sobressair em diversos pontos do
álbum. Hasta Mañana, Monsieur começa
com um teclado calmo, mas logo a música acelera e a guitarra de Fisher rouba a cena com riffs
interessantíssimos. A letra fala sobre um rapaz tentando impressionar uma
garota alemã falando uma mistura de inglês, francês e espanhol – como se fosse
uma Michelle, dos Beatles, levada ao extremo do divertido.
Talent Is An Asset é uma das minhas preferidas do
álbum. Abre com a batida direta e seca de Diamond
e é uma pedrada do início ao fim, com algumas quebras rítmicas e melodias
típicas do Sparks. Uma das faixas
mais claramente influenciadas pelo glam
rock, traz uma letra que fala de Albert Einstein. Foi lançada como single nos EUA, mas fracassou – lembre-se que o Sparks, apesar de estadunidense,
estourou primeiro no Reino Unido. O refrão “Talent
is an asset, you’ve got to understand that” (Talento é uma qualidade, você
precisa entender isso), cantado em falsete por Russell, fica na cabeça.
Complaints foi descrita por Ron como “três minutos de reclamações”.
Mas a música é muito mais que isso; um glam pop grudento, com uma melodia criativa
e um quê de punk rock, mostrando como o Sparks
é bem sucedido em misturar estilos.
In My Family é uma das faixas que menos me
chamou a atenção até eu reparar na letra sensacional, que fala sobre empresas e
negócios familiares. Em certo momento, o narrador afirma que vai se enforcar na
árvore genealógica. Sensacional, apesar de não se destacar tanto assim das
outras.
O álbum fecha
com Equator, um quase-blues cantado
em um falsete extremamente agudo. A palavra equator
vai ficar na sua cabeça por horas após ouvir essa música, que termina com uma
longa improvisação vocal de Russell.
Brilhante, triste e engraçada ao mesmo tempo.
Kimono My House é um álbum muito peculiar. Tem um estilo
muito bem definido e único, muitíssimo criativo e é praticamente uma aberração
até hoje. Vale muito a pena escutar.
Recomendadíssimo.
Tracklist:
- This Town Ain't Big Enough for Both of Us
- Amateur Hour
- Falling In Love With Myself Again
- Here In Heaven
- Thank God It's Not Christmas
- Hasta Mañana, Monsieur
- Talent Is An Asset
- Complaints
- In My Family
- Equator