sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Artista: Charles Mingus; Álbum: Pithecanthropus Erectus



Artista: Charles Mingus
Álbum: Pithecanthropus Erectus
Gênero: Jazz; avant-garde
Ano: 1956

Nada como voltar a escrever neste blog com um álbum desafiador como Pithecanthropus Erectus, do baixista e bandleader norte-americano Charles Mingus.

Adianto à leitora e ao leitor que jazz não é e provavelmente nunca será o meu porto seguro, e não foi até muito recentemente que me atrevi a tomá-lo como uma praia desejável nesse enorme mar que é a música. Não sou um grande conhecedor dos estilos e subdivisões do gênero, conheço apenas alguns medalhões como Miles Davis, John Coltrane e Duke Ellington, mas ainda assim sou profundamente afetado pelo poder peculiar do jazz de transformar qualquer ambiente. Uma sala com jazz é muito mais interessante que uma sala sem ele em diversos sentidos, e minha admiração e conhecimento pelo gênero se baseia nisso.

Dito isso, falemos um pouco de Charles Mingus. Nascido em 1922 em uma base militar no Arizona, desenvolveu seu gosto por música muito cedo, ouvindo Duke Ellington no rádio. Começou a aprender baixo com ninguém menos que H. Rheinshagen, então o principal baixista da Orquestra Filarmônica de Nova Iorque, e também desenvolveu suas habilidades no piano a tal ponto que, se desejasse, poderia ter seguido carreira também nesse instrumento. Nos anos 40, ainda muito jovem, participou da banda de Louis Armstrong.

Nos anos 50, Mingus se estabeleceu de vez em Nova Iorque e se consolidou no meio do Jazz como bandleader, algo um bocado incomum para um baixista. Sua fama, entretanto, não era injustificada: além de ser um músico excepcional, Mingus pensava fora da caixa em quase todo aspecto do processo criativo. Ao formar suas bandas, ele preferia desconhecidos a músicos consagrados (apesar de, após trabalharem com ele, os primeiros se tornavam os segundos), e avaliava não apenas as qualidades técnicas mas também o temperamento de cada um por acreditar que isso contribuía para um som único. Ele próprio era um homem feroz, conhecido como "the angry man of jazz" ou "o cara brabo do jazz", e brigas não eram raras em seus conjuntos.

Pois foi Pithecanthropus Erectus, o álbum aqui resenhado, o debut propriamente dito de Mingus como bandleader. Aqui, além do próprio Charles Mingus no baixo, temos Jackie McLean (sax alto), J. R. Monterose (sax tenor), Mal Waldron (piano) e Willie Jones (bateria).

O nome do álbum e de sua faixa-título é também uma das diversas alcunhas da espécie de hominídeo mais conhecida como Homo erectus, naturalmente um de nossos ancestrais na cadeia evolutiva. A capa traz algo semelhante a uma pintura rupestre, com um homem ereto, outro mais curvado, um quase caindo e um quarto prostrado. Isso tudo é importante porque Pithecanthropus Erectus, a música, é uma empreitada ambiciosa. Segundo o próprio Mingus, seu objetivo era representar a ascensão da raça humana a partir de nossos tataravôs primatas, seu ápice e sua inevitável destruição - daí a progressão dos homens cada vez mais abatidos na capa. Nas palavras dele mesmo, a destruição acontece devido a "seu próprio fracasso em perceber a inevitável emancipação daqueles que ele buscou escravizar, e sua ganância em tentar se sustentar em uma falsa segurança". O curioso é que, mesmo sem saber disso, é bastante palpável o tom épico da peça logo no início, com seu tema principal apocalíptico, todos os efeitos sonoros criados pelos músicos e principalmente pela dupla de saxofonistas, que ora toca harmonicamente, ora furiosamente e caoticamente. Extremamente cinematográfica e cativante.


A Foggy Day é um jazz standard muito famoso dos anos 30 e foi regravado por artistas do calibre de Frank Sinatra, Billie Holiday, Sarah Vaughan e, mais recentemente, David Bowie e Michael Bublé. A versão de Mingus, porém, traz a cidade de Nova Iorque dos anos 50 direto aos nossos ouvidos (e não a Londres da versão com letra) - a começar pelos sons tão típicos da metrópole reproduzidos nos instrumentos, como buzinas, sons de metrôs e apitos logo na introdução. Quando o tema principal  começa, os sons não cessam, e ocasionalmente ouvimos as cacofonias urbanas em meio à melodia tradicional. Uma belíssima e ousada releitura.

Profile of Jackie é um tema bem mais lento e sentimental, com grande destaque para o sax de Jackie McLean, como nome sugere. De cara, parece ser mais convencional, mas o ouvinte mais atento percebe que, a partir da metade da música, os instrumentos que formam a base para o saxofone começam a ficar mais soltos e independentes, dando um clima de sonho à música. Ótima faixa.

O álbum termina com Love Chant, um ode às habilidades dos músicos. Alternando diversos momentos, os músicos da banda de Mingus improvisam livremente e sempre de maneira pertinente, mesclando perfeitamente técnica e feeling.

É interessante pensar que este álbum, que completa 59 anos no dia de hoje, deixou sua marca na história e foi gravado em apenas um dia (30 de janeiro de 1956). O que escutamos em Pithecanthropus Erectus é puro talento, e é uma alegria podermos, ainda hoje, desfrutar da obra que este quinteto criou nos estúdios da Atlantic em tempos tão diferentes.

Recomendadíssimo.

Tracklist:
1. Pithecanthropus Erectus
2. A Foggy Day
3. Profile of Jackie
4. Love Chant

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