quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Artista: Jon Hopkins; Álbum: Insides



Artista: Jon Hopkins
Álbum: Insides
Ano: 2009
Gênero: Música eletrônica; ambient; dubstep

Seja por preconceito ou desconhecimento, existem alguns gêneros musicais que são incrivelmente subestimados. O álbum aqui abordado traz influência de um desses gêneros: o ambient.

De certa maneira eu já falei de ambient neste blog quando resenhei o Low, do David Bowie. Para quem não sabe, trata-se de um gênero musical que tem suas origens lá no começo do século XX, nos movimentos futurista e dadaísta – mais especificamente com um músico francês chamado Erik Satie.

Satie começou a fazer experimentos que ele mesmo rotulava como “anti-música” ou “música de decoração”, um tipo de composição minimalista e repetitiva que serviria como um pano de fundo para atividades cotidianas e poderia facilmente ser ignorada – ao contrário de ser o foco da atenção. Esse mesmo conceito influenciou Brian Eno, o respeitadíssimo músico que já foi da lendária Roxy Music, trabalhou com Bowie no fim dos anos 70 e que é considerado o responsável pela criação do termo ambient music. No encarte do álbum Ambient 1: Music For Airports (o primeiro de uma série de 4 álbuns), Eno escreveu um tipo de manifesto  que dizia:  “a ambient music precisa ser capaz de acomodar diversos níveis de atenção do ouvinte sem focar em um em particular; precisa ser igualmente interessante e ignorável”.

O ambient, como praticamente todos os estilos musicais, se fundiou a outros e teve diversas crias. Devido ao enorme uso de sintetizadores, o flerte com a música eletrônica foi assaz bem sucedido e resultou em pérolas como o álbum aqui resenhado.

Jon Hopkins é um londrino nascido em 1979 e tem um currículo bastante interessante, tendo trabalhado com o próprio Eno e com o Coldplay. Ele se interessou por música eletrônica ao ouvir bandas como DepecheMode, New Order e Pet Shop Boys, dedicando-se ao piano e aos sintetizadores desde os 12 anos.

Insides é o terceiro e mais bem sucedido álbum da carreira solo do músico. Apesar de eu ter dado uma ênfase grande à influência de ambient, o álbum é muito mais que isso – basta escutar a primeira faixa, a quase acústica The Wider Sun, para notarmos que estamos diante de um álbum difícil de classificar. Instrumentos de corda tocam uma melodia calma e melancólica que poderia estar na trilha sonora de algum filme de ficção científica e de repente um barulho de água começa bem suave, com sintetizadores ao fundo dando um clima amplo e espacial; é a deixa de Vessel, com sua percussão eletrônica minimalista e baixo à-lá dubstep. A melodia do piano é simples e belíssima, mostrando bem a influência de Eno no som do rapaz.

A terceira música é a faixa-título (Insides, caso você tenha esquecido) é um exemplo de como as possibilidades da música eletrônica são intermináveis. Um ritmo truncado, com influências que vão do downtempo até o já citado dubstep, criam um ambiente sombrio e tenso, inquietante como um filme de suspense com robôs malvados.

Wire, por sua vez, é justamente o oposto. Aqui, Hopkins mostra seu lado mais pop com melodia e batida muito mais convencional que poderia tranquilamente ganhar uma letra e tocar em alguma estação de rádio não-tão-convencional. Uma boa faixa, bem destoante das anteriores.

Colour Eye varia momentos do chamado IDM (Intelligent Dance Music, um termo muito controverso também conhecido como art techno) com ambient de uma maneira balanceada e imprevisível. A música é turbulenta e surpreendentemente termina com quase um minuto de barulho de chuva.

A próxima faixa é a minha favorita do álbum. Com um nome audacioso, Light Through The Veins conseguiu, pelo menos para mim (que sou meio doido e sinestésico), criar de fato uma sensação de luz correndo pelas veias. Uma balada épica, com um crescendo incrível que se extende por quase 10 minutos, sempre repetindo a mesma melodia no bizarro compasso de 9/4 (eu contei certo? Corrijam-me, músicos de plantão!). A música vai crescendo aos poucos e ficando enorme, envolvente, até morrer aos poucos, sempre lentamente e progressivamente, fluida e sem nada abrupto. O Coldplay sampleou essa música em Life In Technicolor e certamente não foi à toa. Faixa épica e sensacional.

Hopkins contrasta a grandiosa faixa anterior com a calmíssima The Low Places. Parece ter saído da mesma parte do cérebro que compôs Vessel, com uma estrutura semelhante apesar de não ter características de dubstep. Esta é mais ambient que qualquer outra coisa, com batidas minimalistas que vão progredindo muito levemente. Bela faixa.

Small Memory é uma pequena faixa tocada no piano, com uma melodia bonita e lenta. Engraçado como o único filler do álbum é justamente a faixa que foge do ambient e serve apenas para conectar a faixa anterior a A Drifting Up. Pelo instrumental, a faixa poderia estar tranquilamente em Vespertine, um dos meus álbuns favoritos da Björk. Novamente Hopkins experimenta com microbeats e texturas, fazendo uma faixa bonita e hipnotizante. A música tem vários níveis, e escutá-la com fone de ouvido é uma experiência incrível.

A última faixa do álbum é a belíssima Autumn Hill. Novamente ao piano, Hopkins nos mostra sua versatilidade com um tema que poderia estar em qualquer filme triste. Muitíssimo bem executada e com barulhos de pássaros ao fundo, sempre criando uma atmosfera envolvente. Fecha com chave de ouro.

Insides é um ótimo álbum. Hopkins foi muito feliz ao montar a estrutura, a ordem das faixas, criando as nuances necessárias para que um disco seja mais que apenas um conjunto de faixas. Há faixas memoráveis e a execução é impecável. Coisa fina.

Recomendadíssimo.

Tracklist:
1."The Wider Sun"  2:37
2."Vessel"  4:44
3."Insides"  4:40
4."Wire"  4:43
5."Colour Eye"  5:13
6."Light Through the Veins" (samples on Coldplay's "Life in Technicolor" and "The Escapist", from "Viva la Vida or Death and All His Friends")9:21
7."The Low Places"  6:37
8."Small Memory"  1:43
9."A Drifting Up"  6:29
10."Autumn Hill"  2:40

7 comentários:

António Manna disse...

Curti o teu blog, cusquei um pouco e encontrei boa música, parabéns aqui de Moçambique..

Thiago Zanetti disse...

Muito obrigado, rapaz! Continue acessando! Um abraço aqui brasileiro aqui de Londres!

Pablo Alcântara disse...

Ótimo mesmo o blog. Ainda tô vendo tudo. Legal!

Bruna L. disse...

Muito legal o blog! Você falou em Erik Satie, aproveito para lembrar que esse mesmo foi amigo de um artista bastante desconhecido chamado Alphonse Allais, que pintou quadros monocromáticos, como (muito )mais tarde faria Klein, e compôs músicas silenciosas, como (muito) mais tarde faria John Cage! E era legal porque ele fazia piada com os títulos de sua obras, relacionando-os com os (não) conteúdos. Ele tem uma música só de pausas que se chama "marcha fúnebre", é uma outra interpretação de ambiente, mas é tão certeira... Bom, é isso! Bom trabalho... A propósito, o post do Einstürzende Neubauten é muito bom, nunca tinha conseguindo rir ouvindo a banda. Mas agora imagino o sexo dos robôs e não tem como não ficar engraçado, apesar de tão sombrio, industrial, angustitante e tão "berlim oriental". Boa sorte com o blog!

Bruna L. disse...

conseguido*

Bruna L. disse...

Aliás, um texto sobre algum trabalho de Cage seria interessante!

Thiago Zanetti disse...

Valeu pelos comentários e pelas dicas, pessoal! Isso que me mantém motivado! :)