sexta-feira, 21 de maio de 2010

Banda: Morphine; Álbum: Cure For Pain


Banda: Morphine
Álbum: Cure For Pain
Ano: 1993
Gênero: Rock Alternativo

Já fazia um tempo que eu estava pra postar uma resenha de um álbum dessa banda espetacular e desconhecida por muitos, o Morphine, mas sempre acabava esquecendo. Agora aqui está, sem mais delongas.

O Morphine era uma banda peculiar em todos os aspectos: um trio formado por Mark Sandman (vocal/baixo), Dana Colley (saxofone barítono/tenor) e, a partir do disco aqui resenhado, Billy Conway (bateria e percussão). Anteriormente, o lugar de Conway era ocupado por Jerome Dupree.

Um power trio sem guitarra já é algo muito incomum. Adicione isso ao fato de Sandman tocar um baixo de duas cordas com um slide (aquele acessório muito usado por guitarristas de blues, principalmente) e de, em algumas vezes, Colley tocar dois saxofones ao mesmo tempo (como este velhinho épico neste vídeo aqui). Não tem como a música ser mais do mesmo.

O debut do Morphine foi Good, lançado em 1992, e mostrava muito bem ao que a banda veio: uma música criativa e inteligente, que não se doma a um estilo único. Além disso, a música combina muito com o nome da banda. Tem um je ne sais quoi de chapante na música do Morphine.

Apesar de Good ser um bom debut, a banda evoluiu muito no álbum aqui resenhado. Cure For Pain foi lançado apenas um ano depois e mostra uma banda mais madura, com maior domínio sobre as possibilidades de composição para os três (quatro, contando o vocal) instrumentos usados.

Após a pequena introdução de Dawna, um curto solo de saxofone, o Morphine já entrega uma das melhores faixas do álbum: Buena. A introdução no baixo de Sandman já mostra todo o groove da música, e logo no começo do álbum já esquecemos que o Morphine não usa guitarras simplesmente porque elas não fazem falta aqui. O saxofone de Colley cumpre muito bem esse papel e, de quebra, ainda dá um som único à banda.

O disco altera muitos humores. Temos a profunda I'm Free Now, com sua linha de saxofone simples e bonita; All Wrong, com sua levada mais animada, ótima para dirigir e a belíssima balada Candy, com seu toque de soul e uma letra extremamente romântica. Um dos melhores momentos do álbum:

Candy asked me if she died if I could go on
Of course I said I couldn't and of course we knew that's wrong
But Candy, I said, Candy, no, you can't do that to me
Because you love me way too much for you to ever leave

Na língua de Camões:

Candy me perguntou se, se ela morresse, eu conseguiria continuar
É claro que eu disse que não poderia e é claro que ambos sabíamos que estava errado
Mas Candy, eu disse, Candy, não, você não pode fazer isso comigo
Porque você me ama demais para algum dia me deixar

Toda a doçura de Candy fica para trás na incrível A Head With Wings, com groove até o último fio de cabelo. Mais uma vez o destaque é o ótimo trabalho de sax de Colley.

O leitor que escutasse o álbum até aqui e depois escutasse In Spite Of Me ficaria, no mínimo, puto. "Como você me fala que só tem baixo, bateria e saxofone se isso não tem nada disso?". Pois é, uma música com violão e bandolim (tocado pelo músico Jimmy Ryan) em pleno Cure For Pain. Surpreendente ou não?

Mas como o Morphine gosta de surpreender ainda mais, depois vem a paulada Thursday, cheia de texturas e saxofones. Em alguns momentos remete até ao John Zorn (que, caso você não conheça, clique aqui ou aqui pra ter uma idéia do quanto esse cara é peculiar).

A faixa título tem uma levada bem simples, que lembra um pouco Waiting For My Ruca, do Sublime (ou é muita viagem minha?), mas não se destaca do resto do álbum (apesar de não ser ruim de maneira alguma). Mary Won't You Call My Name tem uma levada de bluegrass, com Sandman tocando violão além do habitual baixo. Certamente uma das mais originais do álbum.

Let's Take A Trip Together cumpre o que propõe. Incrivelmente viajante, tem até órgão (tocado por Sandman) e um climão de dub, apesar de não ser um. Sheila é um dos momentos menos inspirados do álbum, e a faixa de encerramento, Miles Davis' Funeral, é uma pequena faixa instrumental melancólica só para encerrar.

Cure For Pain é um belíssimo álbum e certamente o álbum certo para quem quer conhecer esta banda tão peculiar, que infelizmente teve um fim prematuro e súbito quando Mark Sandman faleceu em pleno palco de ataque cardíaco, em 1999, aos 46 anos.

Recomendadíssimo.

Tracklist:
  1. "Dawna" - 0:44
  2. "Buena" - 3:19
  3. "I'm Free Now" - 3:24
  4. "All Wrong" - 3:40
  5. "Candy" - 3:14
  6. "A Head with Wings" - 3:39
  7. "In Spite of Me" - 2:34
  8. "Thursday" - 3:26
  9. "Cure for Pain" - 3:13
  10. "Mary Won't You Call My Name?" - 2:29
  11. "Let's Take a Trip Together" - 2:59
  12. "Sheila" - 2:49
  13. "Miles Davis' Funeral" - 1:41

Abaixo, confira o Morphine tocando Buena ao vivo:

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Banda: Tool; Álbum: Ænima (ou Aenima)


Banda: Tool
Álbum: Ænima
Ano: 1996
Gênero: Metal Alternativo

Confesso que fiquei muito receoso de resenhar aqui, num blog de música "underground", um álbum de uma banda tão grande quanto o Tool, que já vendeu muitos milhões de discos e ganhou três Grammy Awards. Porém, curiosamente, é muito difícil encontrar quem conheça a banda aqui no Brasil além do comum "já ouvi falar", portanto nada mais justo que resenhar este álbum realmente marcante, o Ænima. Mas vamos falar um pouco sobre a banda antes, para quem não conhece.

A primeira formação do Tool gravou seu primeiro EP, Opiate, no começo de 1992. Apesar de já ser bem diferente do resto das bandas do circuito, o som tinha mais influências de metal e era mais agressivo. O EP foi um sucesso, chegou a ganhar disco de platina, e no ano seguinte o Tool já lançou seu primeiro álbum completo, o Undertow.

O álbum já chegou causando controvérsia. O encarte trazia fotos de uma mulher obesa nua, um homem nu e da própria banda com pinos na cabeça (além da capa, que trazia algo semelhante a uma costela). Algumas lojas censuraram o encarte, e o Tool mudou a capa para um código de barras enorme sobre o fundo branco e anexou a seguinte nota:

Nós notamos recentemente que muitas das lojas em nosso país legal e mente aberta não iriam disponibilizar o Undertow por causa de seu encarte explícito. Embora a gente odeie ser censurado, nós queremos seu dinheiro nós ainda queremos que você escute nossa música, então removemos ele. Entretanto, ele está disponível para você sem custo adicional. Preencha o formulário, enfie ele em um envelope, mande para nós e nós enviaremos o encarte original. Com amor, Tool.

Undertow foi muito bem recebido, e tem algumas das músicas mais conhecidas do Tool, como Prison Sex e Sober, uma das minhas preferidas da banda.

Nessa altura, a banda de quatro integrantes contava com o vocalista Maynard James Keenan, o guitarrista Adam Jones, o baixista Paul D'Amour e o baterista Danny Carey. Entretanto, D'Amour aparece somente nos dois primeiros trabalhos da banda, e saiu em 1995 para se dedicar a novos projetos. Em seu lugar entrou Justin Chancellor, que está na banda até hoje.

Foram três anos até que um novo álbum do Tool chegasse às lojas, e em 1996 Ænima foi lançado.

Quando uma banda faz um debut muito bom, cria-se muita expectativa ao redor do segundo álbum. "A banda vai conseguir manter a qualidade? Terão mudado muito o estilo? ", etc. As respostas são, ao meu ver, gritantes: o Tool melhorou muito em seu segundo álbum.

Ænima é um trocadilho envolvendo as palavras anima - um conceito da psicologia Jungiana que se refere ao inconsciente feminino do homem ou ao masculino da mulher - e enema, um procedimento médico (ou erótico, para alguns fetichistas) de lavagem intestinal.

O álbum é dedicado ao comediante, então recém falecido, Bill Hicks, que já havia aberto alguns shows do Tool com seu ato de stand up. Dizem que, em certa ocasião, Hicks pediu a uma platéia de milhares de pessoas que o ajudassem a procurar sua lente de contato, no que, para sua supresa, foi atendido. Existem, inclusive, algumas referências diretas a piadas de Hicks no álbum. Mais para frente digo onde estão.

Stinkfist é uma ótima faixa de abertura: pesada, com groove e com uma letra sobre fist fuck - o infame sexo com os punhos. Segundo a banda, também é uma metáfora sobre o ponto em que chegou a nossa apatia: apenas algo muito extremo nos surpreende. O  primeiro refrão, por exemplo, é genial:

Fingers deep inside the borderline
Show me that you love me and that we belong together
Relax, turn around and take my hand

Ou seja:

Dedos bem além das bordas
Mostre-me que você me ama e que devemos estar juntos
Relaxe, dê meia-volta e pegue (aceite) minha mão

A segunda música, Eulogy, tem uma introdução de mais de dois minutos, outro ponto muito marcante em várias músicas dos Tools: as longas introduções cheias de texturas. A letra é pesadíssima, uma eulogia (aquelas palavras que dizemos sobre alguém que acabou de falecer) agressivíssima a alguém que "não teve medo de mentir".

O legal das músicas do Tool é como elas variam dentro delas mesmas. Dentro de uma mesma música eles conseguem criar diversos climas e intensidades,variando muito os compassos e as harmonias. Os riffs também são um show à parte.

Um recurso peculiar  que o Tool usou à exaustão neste álbum são os fillers, pequenos interlúdios de curta duração que servem apenas para ligar uma faixa à outra. Alguns são muito interessantes, como A Message To Henry Manback. Sobre um piano muito lento, tocando uma melodia muito melancólica, uma voz ao telefone ameaça um homem - supostamente o tal Henry Manback - em inglês e italiano. A interpretação de Maynard é impagável.

Hooker With A Penis é uma das minhas faixas favoritas, tanto letra quanto música. A música é pesadíssima, arrastada, com um vocal raivoso de Maynard, e a letra é, no mínimo, interessante. Começa assim:

I met a boy, wearing Vans, 501s
And a dope beastie-tee, nipple rings,
New tattoos that claim that he was OGT,
Back in '92, from the first EP.

And in between sips of Coke
He told me that he thought we were sellin' out,
Layin' down, suckin' up to the man.

Well now I've got some advice for you, little buddy.
Before you point your finger you should know that I'm the man,
And if I'm the man, then you're the man, and he's the man as well
So you can point that fuckin' finger up your ass

Em português:

Eu conheci um cara
Usando vans, 501s
E uma camiseta chapada dos Beastie Boys, piercings nos mamilos
Novas tatuagens e afirmava ser OGT
De 92, do primeiro EP
E entre goles de coca-cola
Ele me disse que achava que estávamos no vendendo
Nos deitando, "puxando o saco" do "cara"

Bom, agora eu tenho um conselho pra você, amiguinho
Antes de você apontar seu dedo você devia saber que eu sou o cara
Se eu sou o cara, então você é o cara, e ele é o cara também
Então você pode apontar essa porra de dedo pra sua bunda

Só pra efeito de esclarecimento: Vans é uma marca de roupas e calçados (neste caso, tênis), 501 é um tipo de calça jeans e OGT é a sigla para original gangster Tool, ou seja, fãs do Tool que gostam apenas do primeiro EP, Opiate.

Fica muito clara a posição do Tool a respeito das pessoas que afirmam que as bandas "se vendem". Mais pra frente, ele é mais explícito ainda:

All you know about me is what I've sold you,
Dumb fuck.
I sold out long before you ever even heard my name.
I sold my soul to make a record,
Dip shit,
And then you bought one.

Ou seja:

Tudo o que você sabe sobre mim é o que eu te vendi,
Imbecil.
Eu me vendi muito antes de você ouvir meu nome.
Eu vendi minha alma para gravar um disco,
Escroto,
E então você comprou um.

Então vem outro filler divertido, Intermission (uma homenagem clara aos ingleses do Monty Python e ao filme Em Busca do Cálice Sagrado, onde, no meio de uma cena completamente aletória, eles colocam, também de maneira aleatória, a palavra Intermission - intervalo - por cerca de 5 segundos ao som de uma música animada tocada ao teclado). A faixa do Tool remete, ao mesmo tempo, à música tocada no filme e à música que vem a seguir no álbum, Jimmy - outro ponto alto, com um ótimo riff de abertura e clima sombrio.

Mas o melhor dos fillers é, certamente, Die Eier Von Satan. Se você não conhece, por favor, confira pelo menos um bom trecho abaixo:




O que parece? Certamente remete a um discurso nazista ou algo do tipo. Mas é apenas uma receita de biscoitos lida por Maynard e pelo alemão Marko Fox para enganar o ouvinte desavisado. Genial o som da platéia eufórica após o grito de UND KEINE EIER!, que significa  apenas "e sem ovos!".

O grande ponto alto do disco na minha opinião é a faixa quase-título Ænema. Essa foi a música que me fez buscar mais do Tool e até hoje é uma das que mais me aptecem. A letra é baseada em uma peça de stand up comedy do já citado Bill Hicks: Arizona Bay. Nela, Hicks falava sobre como o mundo ficaria melhor se a cidade de Los Angeles fosse engolida pelo mar juntamente com "os shows horríveis e os idiotas gritando ao vento", resultando na fictícia baía do Arizona. O Tool colocou a idéia toda na música, resultando em uma bela homenagem ao falecido comediante. Além disso, no meio da música, Maynard manda diversos estereótipos se foderem, incluindo os "metidos a gangsters", "bandas de rock boazinhas" e L. Ron Hubbard, o pai da Cientologia.

A última música do disco, Third Eye, começa com um sample de Hicks e seu sketch "drugs and music".

"Eu acho que as drogas fizeram algumas coisas boas por nós, eu realmente acho.  E se você não acredita que as drogas fizeram algumas coisas boas por nós, faça-me um favor: vá pra casa hoje à noite, pegue todos os seus álbuns, todas as suas fitas, todos os seus CDs e queime. Porque quer saber? Os músicos que fizeram toda essa música ótima e melhoraram suas vidas no passar dos anos... muuuuuito chapados de drogas".

Essa é apenas a introdução para um épico de mais de 13 minutos no melhor estilo do Tool. Guitarras pesadas, diversas texturas durante a música toda e extensas passagens instrumentais.

Ænima é um dos melhores álbuns lançados nos anos 90 pra quem gosta de música bem executada e criativa.

Recomendadíssimo.

Tracklist:
  1. Stinkfist
  2. Eulogy
  3. H.
  4. Useful Idiot
  5. Forty Six & 2
  6. Message to Harry Manback
  7. Hooker with a Penis
  8. Intermission
  9. Jimmy
  10. Die Eier von Satan
  11. Pushit
  12. Cesaro Summability
  13. Ænema
  14. (-) Ions
  15. Third Eye

Abaixo, o clip de Ænema: