Banda: Banda do Casaco
Álbum: Dos Benefícios Dum Vendido No Reino Dos Bonifácios
Ano: 1974
Gênero: Folk Português; Rock
Durante uma conversa com um amigo, ambos nos indignamos com o fato de conhecermos tão pouco sobre a música lusitana. Claro, todos ouvimos falar do fado, e todos ouvimos falar de Roberto Leal (e da impagável paródia que os Mamonas Assassinas fizeram no Vira). O fado, os lusitanos que me perdoem, me soa um pouco enfadonho, se me permitem o trocadilho; pessoalmente, não me atrai a música de Roberto Leal. Mas a minha visão sobre a música portuguesa mudou completamente ao escutar o primeiro disco da Banda do Casaco.
Não sei dizer com certeza como nunca ouvi falar sobre eles antes, mas imagino que pouca gente no Brasil os conheça. Terá sido nossa ditadura, que mal deixava nossos artistas se expressarem, quanto mais que os lusitanos, falando a "mesma" língua? Não sabemos, mas no mesmo ano da Revolução dos Cravos (1974) nasceu seu primeiro disco, Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios.
Antes de falar desse debut maravilhoso, é importante falar um pouco sobre a banda, já que aqui no Brasil eles são praticamente anônimos. A origem da Banda do Casaco está ligada ao fim de outro grupo, o projeto Filarmônica Fraude. Este projeto chegou a lançar um LP chamado Epopéia, tido como um dos principais discos de música portuguesa do século XX devido ao seu caráter inovador, que misturava música tradicional portuguesa com outros elementos, como o pop e o rock britânico. Os membros principais da Filarmônica Fraude eram Antônio Pinho, letrista, e Luís Linhares, arranjador e principal compositor.
Quatro anos após o fim súbito da Filarmônica após um ano de atividade (1969), Pinho e Linhares se uniram ao guitarrista Nuno Rodrigues, escolado em gêneros como o jazz, e juntos começaram a compôr material para o que seria a Banda do Casaco. Pinho compôs as letras e Rodrigues as melodias e arranjos. E não eram quaisquer letras ou quaisquer arranjos, e isso ficou muito claro em Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios.
A faixa de abertura é Aliciação - Espírito Imundo, e o começo poderia, talvez, estar em um disco dos Mutantes ou dos Secos e Molhados. Uma percussão constante contrasta com cellos e violinos, dando a impressão de algo grandioso e exótico ao mesmo tempo. Eis que uma voz tenebrosa sussurra: "Quem és tu que me abraças, agora que o sono me empurra com suas mãos negras e quentes? Quem és tu que me agarras? Te exconjuro!". Eis que, quase de repente, um coral feminino faz uma intervenção e dá lugar a um suave piano e à voz de Nuno Rodrigues, e conforme a música se desenvolve nos surpreendemos com um coral cantando "espírito imundo" na melodia de "aleluia". "Quem és tu que me beijas e faz sentir um frio dos infernos?"
Apenas pela faixa de abertura já é possível perceber o quão teatrais são as composições da Banda do Casaco. Isso sem falar na gritante influência da música tradicional portuguesa, e isso podemos afirmar sem conhecê-la. Na segunda faixa, D'Alma Aviada, há diversas características medievalescas, tanto pelos instrumentos quanto pela melodia.
Ladainha das Comadres tem um ritmo frenético, muito marcado pela percussão e pelo ritmo do canto das mulheres, além, novamente, de diversas características medievais, como o uso da flauta.
Uma das melhores faixas do disco é A Cavalo Dado. Diversas viagens musicais aqui, passando de uma parte a outra sem aviso algum. Além disso estão aqui os trocadilhos das letras de Pinho, uma de suas características mais marcantes. "Imperador... a tua imperatriz é por um triz que não se diz ser meretriz... e merecia!".
Cada faixa é uma viagem rica e elaborada, com letras muito bem trabalhadas e instrumentos muito bem executados. Outro destaque do álbum, por exemplo, é Cocktail do Braço de Prata, que tem um quê de jazz misturado com folk, com direito a compassos quebrados e mudanças de ritmo que até Deus duvida.
Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios não é apenas um álbum que merece ser ouvido, mas uma importante referência no que diz respeito à maravilhosa música que o mundo produziu nos anos 70.
Recomendadíssimo.
Tracklist (clique para escutar):
1. Aliciação - Espírito Imundo
2. D'Alma Aviada
3. A Ladaínha das Comadres
4. A Cavalo Dado
5. Henrique Ser Ou Não Enriquecer
6. Bonifácios
7. Lavados, Lavados Sim
8. Cocktail Do Braço De Prata
9. Na Boca Do Inferno
10. Horas De Ponta e Mola
11. Memorando - Sábado Sauna - Sábado Santo
12. Opúsculo
1. Aliciação - Espírito Imundo
2. D'Alma Aviada
3. A Ladaínha das Comadres
4. A Cavalo Dado
5. Henrique Ser Ou Não Enriquecer
6. Bonifácios
7. Lavados, Lavados Sim
8. Cocktail Do Braço De Prata
9. Na Boca Do Inferno
10. Horas De Ponta e Mola
11. Memorando - Sábado Sauna - Sábado Santo
12. Opúsculo
3 comentários:
Sensacional! Esse conjunto de vozes é maravilhoso..
by Pinga
O pouco que conheço da música portuguesa me foi apresentado por um português adolescente... e são bandas que tocam rock e cantam em inglês. Segundo ele, fazem um relativo sucesso lá, e é comum eles não cantarem no seu idioma natal. Uma pena, pois eu acho que a sonoridade fechada do português europeu dá um charme único na música, como a postada aqui, que passa longe da melancolia dos fados.
Olá. Esse é um grande disco, como a generalidade dos LPs da Banda do Casaco. :) "Hoje há Conquilhas, amanhã não sabemos" e "No Jardim da Celeste" são outros dos meus favoritos. Só uma nota: as bandas e os músicos com sucesso em Portugal, por norma, cantam em português. Exemplos: Rui Veloso, Clã, Pedro Abrunhosa, Jorge Palma, Sérgio Godinho, Xutos & Pontapés, GNR, etc., etc. E lá para os 80's, Trovante, Heróis do Mar, Sétima Legião, etc. Um abraço desde Portugal.
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