domingo, 26 de fevereiro de 2006

Banda: Naked City; Álbum: Torture Garden


Banda: Naked City
Álbum: Torture Garden
Ano: 1990
Gênero: Jazzcore; Grindcore; Avant-garde

E voltamos às excentricidades, depois de mais de três semanas de silêncio.

Ao falar de Mr. Bungle, o nome de John Zorn apareceu entre as figuras mais importantes na criação do primeiro álbum - ele foi o produtor. Mas muita gente nunca ouviu falar dele, então vou tentar descrever este monstro do experimentalismo. Zorn é um compositor e saxofonista que possui sua própria gravadora (Tzadik), não possuindo, assim, quaisquer limitações para fazer sua música. Zorn é totalmente experimental, tendo muita influência de música de cinema, musica judia, improvisação e muitas outras coisas.

Estou longe de conhecer toda a obra de Zorn (durante a década de noventa, ele lançou uma média de 6 álbuns por ano!), mas escolhi este álbum (chamado Torture Garden) de um de seus projetos, o Naked City, porque foi o que mais me impressionou pela variedade.

Prá começar, o álbum, que foi lançado em 1991, tem 42 faixas e menos de 30 minutos. É mais ou menos no mesmo esquema do Fantômas (que tem muita influência de Zorn): uma seqüência frenética de riffs, gritos e sons. Mas tudo o que o Fantômas tem de organizado, Zorn tem de caótico. Seu saxofone desesperadamente agudo parece chorar, berrar. Os instrumentos são extremamente barulhentos, formando um caos assustador. Mas tudo isso cai como uma luva.

Tracklist:
1. Blood Is Thin
2. Demon Sanctuary
3. Thrash Jazz Assassin
4. Dead Spot
5. Bonehead
6. Speedball
7. Blood Duster
8. Pile Driver
9. Shangkuan Ling-Feng
10. Numbskull
11. Perfume of a Critic's Burning Flesh
12. Jazz Snob Eat Shit
13. The Prestigitator
14. No Reason to Believe
15. Hellraiser
16. Torture Garden
17. Slan
18. Hammerhead
19. The Ways of Pain
20. The Noose
21. Sack of Shit
22. Blunt Instrument
23. Osaka Bondage
24. Igneous Ejaculation
25. Shallow Grave
26. Ujaku
27. Kaoru
28. Dead Dread
29. Billy Liar
30. Victims of Torture
31. Speedfreaks
32. New Jersey Scum Swamp
33. S & M Sniper
34. Pigfucker
35. Cairo Chop Shop
36. Fuck the Facts
37. Obeah Man
38. Facelifter
39. N.Y. Flat Top Box
40. Whiplash
41. The Blade

42. Gob of Spit

Um tracklist extenso e uma variedade infinita. A quantidade de riffs e sons com que Zorn bombardeia o ouvinte é extrema. Sons guturais nonsense, baterias furiosas, guitarras pesadas, o já citado saxofone e muitas outras coisas. Não parece que tudo isso cabe em 25 minutos, mas cabe. E é, com certeza, muito diferente de tudo o que você já ouviu.

Recomendado.
Eis um vídeo do Naked City executando Speedfreak ao vivo:

domingo, 5 de fevereiro de 2006

Banda: Mr. Bungle; Álbum: California



Banda: Mr. Bungle
Álbum: California
Ano: 1999
Gênero: Avant-garde

Chegamos aqui à terceira e derradeira parte dos reviews dos álbuns do Mr. Bungle. Como toda trilogia, o final não é apenas um final; é um gran finale, inesperado e surpreendente.

Depois do incrível auto-intitulado debut (que mostrava uma banda criativa e competente) e do extremo Disco Volante, experimental ao extremo, o Mr. Bungle lança seu "álbum pop". Mas um álbum pop do Bungle é muito diferente de um álbum pop qualquer. Durante o review, você vai entender o porquê.

California foi lançado em 1999, ou seja, quatro anos após Disco Volante. Neste ínterim, tivemos o surgimento do trabalho paralelo de Trey Spruance (principal mentor), Trevor Dunn e Danny Heifetz, o Secret Chiefs 3, que mistura música árabe com surf music e drum 'n' bass. Além disso, tivemos o último lançamento do Faith No More, o ótimo Album Of The Year, de 1997. Infelizmente a banda iria acabar em 1998. Felizmente, isso abriu caminho para que Patton se dedicasse de corpo e alma a todos os seus projetos, como o Mr. Bungle e o Fantômas.

Mas porquê California é considerado o álbum pop do Mr. Bungle? Simples: os caras fizeram um álbum muito mais acessível, misturando elementos que fogem do padrão dos outros álbuns (por exemplo, o uso de cordas). Fazendo uma comparação totalmente absurda, este álbum seria o Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band da música avantgarde, ou seja, o perfeito equilíbrio entre os elementos. Enquanto Disco Volante se mostrava absurdamente violento e brusco em suas mudanças, California encontrou o ponto G - mas sem perder a identidade.

Logo de início isso é perceptível. A faixa de abertura, Sweet Charity, traz guitarras havaianas, percussão e uma banda coesa. O refrão é extremamente amigável, até para quem não é acostumado às maluquices da música de vanguarda. E a música viaja por diversos padrões rítmicos de maneira natural, e não abrupta como nos trabalhos anteriores. E a letra é uma crítica às instituições de caridade (ou pelo menos a quem pratica caridade achando que, assim, muda o mundo).

A segunda música é um show à parte. None Of Them Knew They Were Robots é a maior música do álbum, com mais de 6 minutos. O instrumental mistura jazz, metal, rockabilly e surf music, e a letra (de Trey Spruance) uma crítica extremamente elaborada à sociedade pós-moderna (se é que ela existe). Entre as referências da letra, encontramos Santo Agostinho e Franklin. Frases em latim falando de Deus ("Deus absconditus, Deus nullus Deus, Deus nisi Deus", o que significa "Deus escondido, Deus nulo, Deus a não ser Deus") e as visões que a sociedade tem dele.

A lista "oficial" de influências do álbum é a seguinte: death metal, música cigana romena, surf, rockabilly, disco, músicas de cinema, hits dos anos 60, 70 e 80, Herbie Hancock's "Sextant," Peter Maxwell-Davies "Eight Songs for a Mad King," batuque de vudu, bandas brasileiras psicodélicas (!! - Patton gosta do trabalho de bandas como Mutantes e Secos e Molhados), e diversos instrumentos de teclas.

O humor fica explícito em músicas como The Air-Conditioned Nightmare. As mudanças de ritmo são bruscas, mas permanecem sob o mesmo tema. A música parece um pout pourri de Beach Boys. O começo melancólico, a mudança brusca para o "wop bop bop bop", muito semelhantes às da época "surf" dos garotos da praia. Enfim, é uma homenagem e tanto.

Algumas faixas poderiam tranqüilamente tocar em rádios e MTV. Retrovertigo é grudenta e bonita, com um refrão muito bem escrito. Pink Cigarette, com seu clima todo retrô, seria "comum" se não fosse a letra e o final inusitado.

Além das músicas já citadas, os outros três destaques do álbum na humilde opinião de quem vos escreve são os seguintes: Ars Moriendi, The Holy Filament e Goodbye Sober Day.

Ars Moriendi significa, em latim, "A Arte de Morrer". A música parece ter saído de alguma fronteira inexistente entre a Espanha e a Romênia, tamanha a perfeição com que os músicos misturam música flamenca com música cigana romena (com pitadas de música árabe). As mudanças de ritmo são deliciosas, passando de uma calma harmonia tipicamente espanhola para um frenesi cigano.

The Holy Filament parece uma trilha sonora de uma ida para o paraíso. Calma ao extremo, tem um trabalho vocal lindo. A letra é uma das mais criativas que eu já vi; "The legend of modernity: the phosphenes explode God's eternal strobe through the holy filament graven image". Linda.

Goodbye Sober Day é uma obra prima. É como se fosse uma mistura entre a tendência de California com as loucuras de Disco Volante. Na música você encontra de tudo: harmonias vocais, canto gregoriano, metal, música egípcia, tudo. Incrivelmente eclética.

Tracklist:
1. Sweet Charity
2. None Of Them Knew They Were Robots
3. Retrovertigo
4. The Air-Conditioned Nightmare
5. Ars Moriendi
6. Pink Cigarette
7. Golem II: The Bionic Vapour Boy
8. Holy Filament

9. Goodbye Sober Day

E assim termina a "odisséia Bungle". Depois deste trabalho, a banda saiu em turnê por um ano e ficou inativa. Trevor Dunn já afirmou várias vezes que a banda acabou, mas a esperança é a última que morre e eu realmente torço que, um dia, essa banda se reúna novamente e nos presenteie com mais trabalhos de qualidade.

Recomendadíssimo.

Eis um vídeo do Mr. Bungle executando a música Ars Moriendi ao vivo:

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

Banda: Mr. Bungle; Álbum: Disco Volante



Banda: Mr. Bungle
Álbum: Disco Volante
Ano: 1995
Gênero: Avant-garde

Continuando a odisséia Bungle, chegou a vez do mais controverso, estranho, genial, original, o-adjetivo-que-você-quiser álbum da banda: Disco Volante, lançado quatro anos após o debut auto-intitulado (ou seja, 1995), intervalo este em que tivemos o lançamento de dois álbuns sensacionais da dita "banda principal" de Mike Patton (o Faith No More) - Angel Dust, de 1992, e King For A Day... Fool For A Lifetime, do mesmo ano do álbum aqui resenhado.

Meu primeiro contato com música avantgarde foi este álbum, e creio que foi um começo estranho (visto que a coisa mais anticonvencional que eu já havia ouvido era a fantástica Björk). Ao ouvir a primeira faixa, que tem o sugestivo nome de Everyone I Went To High School With Is Dead (ou seja, "Todos aqueles com quem eu cursei o colégio estão mortos"), a primeira coisa que notei foi a bateria quase infantil junto com os vocais falados em uníssono por várias pessoas. "Estranho", pensei, mas não fugia tanto assim do dito "comum". Parecia apenas um thrash metal tocado com muita má vontade. Mas ao continuar a ouvir o álbum, dei de cara com Chemical Marriage e toda a minha visão do Bungle metal (lembre-se: foi o meu primeiro contato com a banda) se desfez. O que eu ouvia era uma salsa muito esquisita, com vocais fazendo "mamamama", assobios, um órgão e sons que pareciam ter saído de um desenho animado.

Mas o que foi uma pancada na minha cabeça mesmo foi a terceira faixa, Carry Stress In The Jaw. Eu definitivamente não estava preparado para o que estava por vir. Provavelmente falharei miseravelmente ao tentar descrever a música e minha sensação com palavras, mas lá vai. A música começa apenas com o baixo e com o sax tocando uma seqüência esquisita de notas. Então, subitamente, a bateria entra bem leve, com Patton cantando o primeiro verso da canção calmamente. Então a música entra em um falso crescendo, e... já me perdi. Mas esta música foi um desrespeito ao meu universo de música convencional. Quando eu menos esperava, uma guitarra extremamente distorcida e rápida entrava e, em uma sincronia absurda com a bateria, fazia nascer um thrash metal dentro de todo aquele jazz... e era acompanhada pelo sax.. e eu fiquei sem entender nada, fiquei revoltado (a) e parei de ouvir o CD naquele ponto. Simples assim.

"Que absurdo, como alguém lança um CD desses? Isso não é música" e outras coisas. Foi isso que passou pela minha cabeça... mas por algum motivo, que não sei explicar qual, não me livrei das músicas - sábia escolha. Anos mais tarde, ele viria a ser um de meus favoritos.

Disco Volante é o auge experimental/criativo do Mr. Bungle. Embora não seja o meu favorito da banda (na minha opinião ficando atrás do fenomenal California), tenho que reconhecer que este álbum tem uma importância incrível dentro do cenário musical inovador dos anos 90. A música que recebeu um parágrafo inteiro de dedicação (Carry Stress In The Jaw) é algo que merece ser ouvido, pelo menos uma vez na vida, por todo ser que tenha o sentido da audição. A mistura de tendências, a precisão dos músicos, a criatividade, tudo nesta música é perfeito.

Mas o álbum não pára por aí, e este é o álbum experimental de uma banda experimental. A banda mostra a gigantesca influência sofrida pelo cinema em músicas como Violenza Domestica, que é praticamente cinema para os ouvidos. Começa com o som de uma faca sendo afiada, sendo seguida por um clima sombrio, trechos de música italiana e diálogos também em italiano. E a música é isso, parece um filme. É uma experiência incrível.

Temos momentos de extremo humor, como a faixa After School Special, onde uma criança fala com a outra que sua mãe é melhor "porque ela cozinha/ela limpa/ela mente/ela diz que sou bonito". Temos também momentos de surrealismo bizarro, como Phlegmatics ("acordei coberto de muco/sonhei que engoli meus dentes/e tentei tossí-los para fora"). E não é apenas na letra que estas tendências se mostram explícitas. As mudanças de ritmo assustadoras, os acordes dissonantes e aparentemente desconexos, as palavras inventadas apenas por sua sonoridade (como na incrível Ma Meeshka Mow Skwoz, cantada inteira em um idioma inventado por Patton), os samples esquisitos, tudo - tudo neste álbum é excêntrico e perfeito ao mesmo tempo.

Foi durante a turnê deste álbum que nasceu o projeto Secret Chiefs 3, que tem um review neste mesmo blog.

Bem, é um álbum indispensável para quem quer sair da mesmice da música convencional. 

Tracklist:
1. Everyone I Went to High School With Is Dead
2. Chemical Marriage
3. Carry Stress In The Jaw/Secret Song
4. Desert Search for Techno Allah
5. Violenza Domestica
6. After School Special
7. The Sleep (part III): Phlegmatics
8. Ma Meeshka Mow Skwoz
9. The Bends ("Man Overboard", "The Drowning Flute", "Aqua Swing", "Follow the Bubbles", "Duet for Guitar and Oxygen Tank", "Nerve Damage", "Screaming Bends", "Panic in Blue", "Love on the Event Horizon", "Re-Entry")
10. Backstrokin'
11. Platypus
12. Merry Go Bye Bye

E esta foi a parte dois da odisséia Bungle. Logo posto a terceira e derradeira (até rimou).

Abaixo, Desert Search For The Techno Allah ao vivo: